terça-feira, 24 de agosto de 2010

Oscar Wilde

"O Fantasma de Canterville, conto de Oscar Wilde, lê-se num fôlego.
A história é deliciosa. Uma família americana compra um castelo em Inglaterra. O castelo tem, há vários séculos, um fantasma que vai assombrando e fazendo a vida negra às várias gerações que o habitam. Desta vez, porém, a coisa correu mal. Modernas, pragmáticas, terrenas, filhas da ciência e da técnica, são as crianças americanas que perseguem o fantasma, o assustam, lhe pregam partidas, levando-o a fugir com medo. Há vários séculos que existe uma indelével mancha de sangue no chão da biblioteca. O sangue de Lady Eleanore de Canterville, assassinada em 1575 pelo marido e actual fantasma. Para as crianças americanas isso resolve-se facilmente com o Sabão Sem Rival Pinkerton, o sabão que apaga tudo.
Mas não é só a história que é deliciosa. O conto capta na perfeição a ruptura entre dois mundos, explicada por Max Weber com a ideia de "Desencantamento do Mundo". O choque que existe dentro daquele castelo entre um fantasma conservador e aristocrata que suscita medo, respeito, sentimento de distância e transcendência, e o burguês sentimento moderno segundo o qual a resolução de todos os problemas pode ser encontrada na ciência, na técnica, na economia, na produção. Isto, se houver problemas, pois uma das características da modernidade passa precisamente pela negação de velhos problemas, velhas perplexidades, velhas barreiras, velhas emoções e velhos sentidos. Para a modernidade, a forma mais eficaz de resolver o sentido de uma coisa é anular o seu próprio sentido.
Uma mancha de sangue há séculos no chão da velha biblioteca tem, naquele castelo, o mesmo sentido da cruz para um verdadeiro cristão de outrora. Uma coisa que não tem explicação mas que se aceita porque está lá e sem a qual a vida perde o sentido que se formou in illo tempore, o tempo sagrado, fonte de todos os sentidos.
O sabão Pinkerton tem explicação para tudo. O que faz uma mancha de sangue no chão de uma biblioteca senão manchar o chão de uma biblioteca tal como uma mancha de gordura mancha o chão de uma cozinha? A partir do momento em que se criou o sabão Pinkerton, o sabão Pinkerton apenas sabe apagar tudo o que mancha o chão, reduzindo o mundo a uma enorme cozinha. Limpa e asseada, como deverão ser todas as cozinhas. E tornando a humanidade numa espécie de criança americana dentro de um velho castelo inglês."

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http://ponteirosparados.blogspot.com/

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