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quinta-feira, 4 de abril de 2013

Gil Vicente

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palavras de Gil Vicente:

Hiu! Hiu! Barca do cornudo.
Pêro Vinagre, beiçudo,
rachador d'Alverca, huhá!
Sapateiro da Candosa!
Antrecosto de carrapato!

Hiu! Hiu! Caga no sapato,
filho da grande aleivosa!
Tua mulher é tinhosa
e há-de parir um sapo
chantado no guardanapo!

Neto de cagarrinhosa!
Furta cebolas! Hiu! Hiu!
Excomungado nas erguejas!
Burrela, cornudo sejas!
Toma o pão que te caiu!
A mulher que te fugiu
per'a Ilha da Madeira!

Cornudo atá mangueira,
toma o pão que te caiu!
Hiu! Hiu! Lanço-te üa pulha!

Dê-dê! Pica nàquela!
Hump! Hump! Caga na vela!
Hio, cabeça de grulha!
Perna de cigarra velha,
caganita de coelha,
pelourinho da Pampulha!

Mija n'agulha, mija n'agulha!
http://triplov.com/teatro/gil_vicente/barca_inferno_07.htm

terça-feira, 25 de setembro de 2012

NEM GALAAZ NOS SALVARÁ Pelo andar que as coisas levam, Bem ou mal tanto lhes faz, Que os cobardes não se atrevam Pode vir um Galaaz! Não há crise que s’ aguente As bananas já não chegam, Não há côdeas para o dente Pelo andar que as coisas levam. A classe politiqueira Nem ao diabo satisfaz, Levam tudo em brincadeira Bem ou mal tanto lhes faz. Mete ao bolso os dividendos, Os seus lucros não lhe chegam, Qualquer dia é só remendos, Que os cobardes não se atrevam. Por enquanto a vaca chega, Vai teimando o Capataz, Se o povo desassossega Pode vir um Galaaz. Pois que venha, sim senhor, P´ ra na mesa dar um soco, Ficará tudo melhor Embora nos saiba a pouco. Ai Graal, santo Graal, Com jejum e com vigília, Antes assim do que mal Para bem desta família! Frassino Machado In JANELAS DA ALMA www.frassinomachado.net www.opcaopoetica.blogspot.com http://facebook.com/atelierpoetico.frassino https://facebook.com/pages/tertulia-poetica-ao-encontro-de-bocage/129017903900018

sábado, 24 de março de 2012



"Esta edição de Babel Poética tem como tema norteador para seleção dos textos a ideia de um “eu” poético presente nos poemas. Desse modo, vai-se dum “eu” poético egocentrado, que não se ocupa com essa questão, típico de muito do que se faz na poesia contemporânea, a outros em que ela é problemática, ecoando Rimbaud e reflexão. A esses somam-se poemas em que esse “eu” não se espelha apenas em si mesmo, mas também em “outros”, ou no “outro”, colocando o escritor em confronto social na medida em que esse “eu” existe porque há um “outro”. E é esse “outro”, como um ponto do teatro, que dá o mote para o poema se fazer, rompendo a esquizofrenia egótica e se abrindo para a complexidade das relações sociais, expondo um país obscuro, cuja miséria começa em casa e continua nas ruas, e no qual se pode ter no “outro” não apenas o diverso, mas o adversário, como uma cobra pronta para picar."

http://issuu.com/babelpoetica/docs/babel_poetica4


http://issuu.com/babelpoetica

via
http://www.wladimircaze.blogspot.pt/

v
http://desfio.zip.net/arch2005-08-07_2005-08-13.html

http://www.silvahorrida.blogspot.pt/

sexta-feira, 23 de dezembro de 2011

Natal Verdadeiro

005.JPG




Natal Verdadeiro

Quando o mundo atravessa momentos tão
difíceis, quando irmãos nossos de todos
os cantos sofrem e gemem, açoitados pela
dor, pela fome, pelo medo, sendo vítimas
de uma terrível violência -a falta de Amor-
nos questionamos seriamente sobre este tipo de
Natal que vimos festejando desde que nascemos.
Natal de pinheiros enfeitados por bolas coloridas
e muito dourado, que tem como símbolo um
Papai Noel bem nutrido, gordo e feliz, que é
esperado nas casas das crianças que têm posses,
com os presentes por elas sonhados e que se
esquece das crianças pobres, que mais uma
vez ficam sem ter os seus desejos satisfeitos...
nem neste dia - o dia em que comemoramos o
nascimento de Jesus, nosso símbolo de Amor.

E aí eu me pergunto,
se já não estaria na hora de mudarmos isto.
Se, agora que já compreendemos melhor o que se
passa, não deveríamos romper com as tradições,
com o conformismo de viver imitando sempre o
que tem sido, para começar a agir de forma
mais coerente e festejar um Natal mais cristão.
Pensemos: Jesus é o homenageado hoje.
Bem o que gostaria que nós fizéssemos num dia
como esse, o que foi que nos ensinou?
A ajudar aquele que tem menos que nós,
a perdoar aos que nos ofenderam,
a amar incondicionalmente a todas as criaturas.
Se posso dar presente a meus amados,
por que não separar um pouco pra dar aos
que talvez não tenham sido nunca objeto do
amor de alguém?
Se posso ter uma mesa repleta das comidas
que gosto, por que não lembrar de levar alguma
coisa gostosa e bonita, para aqueles que talvez
ainda não tenham se alimentado hoje?

Será justo que o Príncipe do Amor só seja
festejado nas casas dos que têm dinheiro?
Logo Ele, que veio para os humildes, os doentes,
os fracos, os caídos?
Bem sei que concorda comigo
- precisamos mudar.
Se não podemos transformar o mundo todo,
que modifiquemos apenas o nosso
Natal em família.

Neste Natal novo, vamos comprar alimentos
para os necessitados.
Vamos levar um presente bonito para uma criança
pobre, pelo menos para uma e vamos esquecer
tantos gastos desnecessários que fazemos,
comprando supérfluos que não nos melhoram
em nada a vida.
Usemos esse dinheiro para aliviar,
um pouco que seja, a dor dos que sofrem,
dos que estão sós e com fome.
Cada família pode escolher um local pra ajudar,
uma pessoa para presentear.
O importante é que este ano a gente estenda um
pouco mais o nosso amor e se lembre de alguém
que precise mais do que nós.
Assim, tenho a certeza de que Jesus será o
Papai Noel do nosso Natal, sem roupas
vermelhas, sem gorro, não tão gordo e
bochechudo, mas nos trazendo Paz,
Serenidade e Alegria!

Se leram e gostaram, por favor passem adiante,
pois ainda temos tempo...
vamos tentar promover um Natal cheio de Luz
para aqueles que talvez nunca tenham
sabido o que é isso.
As mudanças todas são abençoadas,
no reinar de um Novo Milênio,
para uma humanidade que já se cansou de
tantos erros e espera pela Paz!

(Autor Desconhecido)
Por: A Força das palavras

quinta-feira, 6 de outubro de 2011

Funchal

Um poema do Nobel sobre o Funchal

Funchal

O restaurante do peixe na praia, uma simples barraca, construída por náufragos.

Muitos, chegados à porta, voltam para trás, mas não assim as rajadas de vento

do mar. Uma sombra encontra-se num cubículo fumarento e assa dois peixes,

segundo uma antiga receita da Atlântida, pequenas explosões de alho.

O óleo flui sobre as rodelas do tomate. Cada dentada diz que o oceano nos quer

bem, um zunido das profundezas.

Ela e eu: olhamos um para o outro. Assim como se trepássemos as agrestes colinas floridas, sem qualquer cansaço. Encontramo-nos do lado dos animais, bem-vindos, não

envelhecemos. Mas já suportámos tantas coisas juntos, lembramo-nos disso,

horas em que também de pouco ou nada servíamos ( por exemplo, quando

esperávamos na bicha para doar o sangue saudável - ele tinha prescrito uma

transfusão). Acontecimentos, que nos podiam ter separado, se não nos tivéssemos

unido, e acontecimentos que, lado a lado, esquecemos - mas eles não nos esqueceram!

Eles tornaram-se pedras, pedras claras e escuras, pedras de um mosaico desordenado.

E agora aconteceu: os cacos voam todos na mesma direcção, o mosaico nasce.

Ele espera por nós. Do cimo da parede, ele ilumina o quarto de hotel, um design,

violento e doce, talvez um rosto, não nos é possível compreender tudo, mesmo

quando tiramos as roupas.

Ao entardecer, saímos. A poderosa pata, azul escura, da meia ilha jaz,

expelida sobre o mar. Embrenhamo-nos na multidão, somos empurrados

amigavelmente, suaves controlos, todos falam, fervorosos, na língua

estranha. "um homem não é uma ilha " . Por meio deles fortalecemo-nos, mas

também por meio de nós mesmos. Por meio daquilo que existe em nós e que os

outros não conseguem ver. Aquela coisa que só se consegue encontrar a ela

própria. O paradoxo interior, a flor da garagem, a válvula contra a boa escuridão.

Uma bebida que borbulha nos copos vazios. Um altifalante que propaga o silêncio.

Um atalho que, por detrás de cada passo, cresce e cresce. Um livro que só no escuro

se consegue ler.

Tomas Transtromer

sexta-feira, 3 de junho de 2011

Não: não Digas Nada!

Não: não digas nada!
Supor o que dirá
A tua boca velada
É ouvi-lo já

É ouvi-lo melhor
Do que o dirias.
O que és não vem à flor
Das frases e dos dias.

És melhor do que tu.
Não digas nada: sê!
Graça do corpo nu
Que invisível se vê.

Fernando Pessoa, in "Cancioneiro"

terça-feira, 31 de maio de 2011

Johnny Welch

Museus em família

La marioneta

Se, por um instante, Deus se esquecesse de que sou uma marionete de trapo e me presenteasse com um pedaço de vida, possivelmente não diria tudo o que penso, mas, certamente, pensaria tudo o que digo.
Daria valor às coisas, não pelo que valem, mas pelo que significam.
Dormiria pouco, sonharia mais, pois sei que a cada minuto que fechamos os olhos, perdemos sessenta segundos de luz.
Andaria quando os demais parassem, acordaria quando os outros dormem. Escutaria quando os outros falassem e gozaria um bom sorvete de chocolate.
Se Deus me presenteasse com um pedaço de vida, vestiria simplesmente, me jogaria de bruços no solo, deixando a descoberto não apenas meu corpo, como minha alma.
Deus meu, se eu tivesse um coração, escreveria meu ódio sobre o gelo e esperaria que o sol saísse. Pintaria com um sonho de Van Gogh sobre estrelas um poema de Mario Benedetti e uma canção de Serrat seria a serenata que ofereceria à Lua. Regaria as rosas com minhas lágrimas para sentir a dor dos espinhos e o encarnado beijo de suas pétalas.
Deus meu, se eu tivesse um pedaço de vida. Não deixaria passar um só dia sem dizer às gentes – te amo, te amo. Convenceria cada mulher e cada homem que são os meus favoritos e viveria enamorado do amor.
Aos homens, lhes provaria como estão enganados ao pensar que deixam de se apaixonar quando envelhecem, sem saber que envelhecem quando deixam de se apaixonar. A uma criança, lhe daria asas, mas deixaria que aprendesse a voar sozinha.
Aos velhos ensinaria que a morte não chega com a velhice, mas com o esquecimento. Tantas coisas aprendi com vocês, os homens...
Aprendi que todo mundo quer viver no cimo da montanha, sem saber que a verdadeira felicidade está na forma de subir a escarpa.
Aprendi que quando um recém-nascido aperta com sua pequena mão pela primeira vez o dedo de seu pai, o tem prisioneiro para sempre. Aprendi que um homem só tem o direito de olhar um outro de cima para baixo para ajudá-lo a levantar-se.
São tantas as coisas que pude aprender com vocês, mas, finalmente, não poderão servir muito porque quando me olharem dentro dessa maleta, infelizmente estarei morrendo.

Johnny Welch

sexta-feira, 27 de maio de 2011

Entre

Entre nós e as palavras preguiçosas
de noites idas passadas em prosa
Entre nós e as portas trancadas
meninos vadios a rimarem com escória
Entre nós e os ais perdidos
escuto a raiva silenciosa
Entre nós e as palavras mudas
Existe a vida vestida de prosa

de Ethel Feldman

terça-feira, 17 de maio de 2011

Junto à água

Junto à água


Os homens temem as longas viagens,
os ladrões da estrada, as hospedarias,
e temem morrer em frios leitos
e ter sepultura em terra estranha.
Por isso os seus passos os levam
de regresso a casa, às veredas da infância,
ao velho portão em ruínas, à poeira
das primeiras, das únicas lágrimas.

Quantas vezes em
desolados quartos de hotel
esperei em vão que me batesses à porta,
voz de infância, que o teu silêncio me chamasse!

E perdi-vos para sempre entre prédios altos,
sonhos de beleza, e em ruas intermináveis,
e no meio das multidões dos aeroportos.
Agora só quero dormir um sono sem olhos

e sem escuridão, sob um telhado por fim.
À minha volta estilhaça-se
o meu rosto em infinitos espelhos
e desmoronam-se os meus retratos nas molduras.

Só quero um sítio onde pousar a cabeça.
Anoitece em todas as cidades do mundo,
acenderam-se as luzes de corredores sonâmbulos
onde o meu coração, falando, vagueia.




De, "Um Sítio Onde Poisar a Cabeça"



Manuel António Pina




http://www0.rtp.pt/play/#/?tv%3D64%26fbtitle%3DRTP Play - RTP N%2C emissão online em direto%26fbimg%3Dhttp%3A%2F%2Fimg0.rtp.pt%2Fmultimediahtml%2Flogs%2FRTPN.jpg%26fburl%3Dhttp%3A%2F%2Frtp.pt%2Fplay%2F%3Ftv%3D64


poema ambicioso

se eu ladrasse gemesse ou uivasse em vez de falar
ninguém me levaria a sério ou levavam-me a sério
de maneira errada e ofensiva por isso deve ser por


isso que por vezes passo muito tempo sem dizer
nada o silêncio é discreto ninguém dá por nós podem
limpar-nos o pó da cara e das pernas porque nos


confundiram com a cómoda no canto do quarto e
não tem importância nós ficamos imobilizados
como uma estátua para não os assustar não vale


a pena perturbar-lhes a rotina e se nesse momento
ladrássemos havia de ser engraçada a reacção não
posso evitar tive de me rir ao imaginar a cena se


eu soubesse cantar ou tocar piano também podia
falar sem usar a garganta a boca a língua mas se
tocasse flauta já seria diferente quando me dou


ao trabalho de pensar um pouco descubro coisas
interessantíssimas acontece-me quando aquilo
que designo por inspiração ou ímpeto criativo


me abandona não será curioso claro que é curioso
contribuir para denegrir aquilo a que alguns
ingénuos ainda designam por poesia e que lhes


dá tanto trabalho e tantas emoções fabricadas
na oficina em que cinzelam sem descanso as
peças de oiro que acabarão no fundo de um


armário antes de serem definitivamente enviadas
para a lixeira municipal mais próxima denegrir a
poesia a literatura nem sequer me diverte na


verdade o projecto é muito antigo o que acontece
é que eu nunca tinha tido coragem de ir tão longe
distante da pátria dos escritores dos legisladores


de meia dúzia de tolos tontos que se tomam por
especialistas da literatura e pensam que alguém
lhes presta atenção a minha liberdade é total o que


eles dizem o que eles pensam nem sequer chega ao
meu conhecimento a maior parte das vezes e quando
chega não me merece grande atenção como dizia


no início se pudesse ladrar uivar gemer e até tocar
piano ou oboé a situação mudava radicalmente
só que embora me importe pouco o que possam


pensar do que eu faço a maior parte das pessoas
não tenho competência suficiente em nenhuma
dessas artes daí o meu silêncio quando se esvai


aquilo a que chamo a inspiração o ímpeto criativo
a minha sintaxe desconjuntada não me leva a lado
nenhum bem sei mas se escrevo provo que existo


não abandono o lugar que é meu a ninguém oh não
se alguém o quer ocupar empurre-me rasteire-me
insulte-me tente assassinar-me daqui não saio

J Camilo
via

http://nadanientenadaniente.blogspot.com/


http://www.ovni.org/

provincialismo e carros fixes
[...]

Num dos dias entrei no perímetro do Centro de Congressos do Estoril dentro de um belo carro, um Mercedes descapotável último modelo. Antes de tentar entrar na faixa de rodagem destinada ao parque de estacionamento reservado, precipitaram-se sobre mim, e o carro, vários polícias com sorriso e postura amável que indicaram a direção com grande espírito de serviço e boa educação. Em seguida, vários jovens de fatinho ofereceram-me o dístico de Parque, que me incluía no grupo dos eleitos, e instruções, sorrisos, senhora doutora para aqui e para ali, ocupando-se de me arranjar um lugar e de me ajudar a estacionar ao lado dos outros Mercedes e BMW. E nem era eu quem guiava. Ninguém me perguntou o que ia fazer ali ou se tinha direito a parque reservado. No dia seguinte, entrei no mesmo perímetro reservado ao volante de um velho Twingo com o dístico ‘dos eleitos’ bem à vista. Os polícias mandaram-me logo parar com ar carrancudo quando tentei avançar para o parque, apesar de ter o dístico bem colocado. Onde é que pensa que vai? Disse onde é que eu pensava que ia. Um jovem carrancudo, olhando o dístico do carro com reservas, foi buscar uma lista e perguntou-me se estava ligada a alguma instituição. Consultou a lista, olhou para o carro, consultou o colega, e comecei a passar-me. Já tinha mostrado uma identificação, um cartão com uma fita a atestar que era speaker, ele continuava a procurar um modo de me expulsar do reservado. Disse que ia apresentar o último orador, Mohamed El Baradei. Não se deixou impressionar. Aí, um dos outros subitamente baixou a cara para me olhar bem e reconheceu-me. Tudo mudou. Disse-me logo para passar. Outro polícia carrancudo olhava para aquilo com desconfiança. Lá entrei no parque. Ninguém me ajudou ou arranjou um lugar de estacionamento.
Este pequeno filme português também podia e devia ser apresentado não aos finlandeses, mas a todos os portugueses. É o traço comum do nosso subdesenvolvimento. Os pobres curvando a espinha e tirando respeitosamente o chapéu da cabeça perante os fidalgos da casa mourisca. E, para ser rico, neste país, basta ter um bom carro. É símbolo do status. Não admira que não haja empresário pato bravo que não queira ter um Ferrari Testarossa. Se eu entrasse de Aston Martin não era eu que apresentava o Baradei, era ele que me apresentava a mim, segundo a ontologia daquelas cabecinhas dos jovens de fatinho que pululavam. O fato de Francisco Fukuyama, por acaso, era dos mais amachucados. Se entrasse com ele no Twingo punham-nos fora.
[...]


Crónica: A mentalidade do criado, Clara Ferreira Alves

quinta-feira, 12 de maio de 2011

Sebastião da Gama

"Pelo Sonho é que vamos,
comovidos e mudos.
Chegamos? Não chegamos?
Haja ou não haja frutos,
pelo sonho é que vamos.

Basta a fé no que temos,
Basta a esperança naquilo
que talvez não teremos.
Basta que a alma demos,
com a mesma alegria,
ao que desconhecemos
e do que é do dia-a-dia.

Chegamos? Não chegamos?

- Partimos. Vamos. Somos."

(Sebastião da Gama)

domingo, 17 de abril de 2011

As pedras

Pedras na praia


As pedras

As pedras falam? pois falam
mas não à nossa maneira,
que todas as coisas sabem
uma história que não calam.

Debaixo dos nossos pés
ou dentro da nossa mão
o que pensarão de nós?
O que de nós pensarão?

As pedras cantam nos lagos
choram no meio da rua
tremem de frio e de medo
quando a noite é fria e escura.

Riem nos muros ao sol,
no fundo do mar se esquecem.
Umas partem como aves
e nem mais tarde regressam.

Brilham quando a chuva cai.
Vestem-se de musgo verde
em casa velha ou em fonte
que saiba matar a sede.

Foi de duas pedras duras
que a faísca rebentou:
uma germinou em flor
e a outra nos céus voou.

As pedras falam? pois falam.
Só as entende quem quer,
que todas as coisas têm
um coisa para dizer.


Maria Alberta MENÉRES, in “ Conversas com versos”

quarta-feira, 13 de abril de 2011

quinta-feira, 10 de fevereiro de 2011

Esquece

F_D_S


Esquece

Não importa a ausência

de grainha no mosto,

quando, por evidência,

não existe, não tem gosto



E se tal não existe

como poderá deixar

indelével marca, triste,

de invenção por inventar



em solúvel imaginário

de incertezas apinhado

como se fora relicário

a osso alheio dedicado



Herege (!) consciente,

seja som de revolta,

e traga o sentir a gente,

o pensar de forma solta!



Que o mosto vinho dará

e o cangaço que sobra

aguardente verterá

no que torce, não dobra!



E a grainha em falta,

existência removida,

se tira assim da ribalta,

e se queda, esquecida



Em invenção por inventar

do que não aparece,

p’ra trás há-de ficar

já não lembra, se esquece!



(António Fernandes – Fevereiro de 2010)

sábado, 30 de outubro de 2010

Manuel Gusmão

HAVIA SÉCULOS

Havia séculos
e eram florestas sobre florestas escritas.
O canto cantava: era o incêndio do vento
folheando a memória da terra
essa maranha de raízes aéreas que nasciam enterrando
mais fundo as árvores anteriores;
essa teia nocturna de troncos e lianas, de ramos e folhas,
nervuras que os versos enervam irrespiráveis;
esse mapa em relevo lavrado pela paciência da luz
que atrasando-se recorta
estas estranhas esculturas do tempo:
os poemas selvagens
o máximo excesso de uma rosa aquática e frágil
sempre a nascer desfiladeiros
e falésias, fendas, quebradas, ravinas
vulcões que deflagram em écrans sucessivos
Havia séculos
e o cinema dos astros
acendia ampolas e bagas, campânulas, cápsulas, lâmpadas;
punha em música a infinita noite dos versos que longamente
escutam
aqueles que muito antes ou muito depois vieram ou virão
até estes anfiteatros que os desertos invadem.
Havia séculos
e / atravessando as ruínas dessa terra quente, as páginas
de água dessa rosa alucinada / havia esse:
o comum de nós que dos seus se dividindo, verso
a verso, procura ainda alguém. E assim
era de novo o início.
A grande migração das imagens — havia séculos —
desde há muito começara, desde sempre, já.
E sem cessar migrávamos nós, inquietos e perdidos
sem paz e sem lei, sem amos nem destino.



(Migrações do Fogo, Editorial Caminho, Lisboa, 2004)