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domingo, 29 de setembro de 2013

"Vai começar o discurso puro e duro da violência social"

Depois de amanhã, voltamos ao Portugal da troika. Vai começar o discurso puro e duro da violência social

"Amanhã vota-se nas eleições autárquicas. Apesar do enjoo que suscitam no pedantismo nacional e no engraçadismo que substituiu o debate público, foram e são particularmente interessantes. São-no pelo seu significado nacional e local, são-no pela imensa participação cívica, pelo que revelam de tendências mais profundas da vida político-partidária, com a emergência de “independentes” fortes, mas são-no acima de tudo porque mostram um fugaz retorno da política e da democracia ao país da “emergência financeira”. Durante um mês, não fomos “intervencionados”, seja por escapismo irrealista, seja por liberdade, a política soltou-se. Não é por acaso que os partidários do “estado de excepção financeira” as tratam tão mal, como à democracia.
Estas eleições foram eleições livres da troika, para a asneira e para a coisa boa, capazes de ainda manter algum espaço saudável em que o garrote vil das “inevitabilidades” não entra. Foram eleições em que o PSD e o CDS prometeram pontes e calçadas, túneis e aquedutos, livros gratuitos e medicamentos para todos, óscares de Hollywood e prémios internacionais de arquitectura, ou seja, foram eleições que ocorreram nos bons e velhos idos do esbanjamento no seu máximo esplendor. Sócrates devia sentir-se em casa, no meio dos cartazes autárquicos, Passos Coelho devia pintar a cara de preto por não conseguir convencer os seus dos méritos de empobrecer. Mas, bem pelo contrário, andou nas arruadas soterrado por círculos e círculos de guarda-costas e polícias. Estranho, não é?
Depois de amanhã, voltamos ao Portugal da troika, em pleno pós-”crise Portas”, com o fantasma da instabilidade que o “irrevogável” fez sair da lâmpada e que não volta outra vez para lá, a habitar os escritórios assépticos da Moody”s e da Fitch. O Governo está paralisado, diria eu mais uma vez, se não fosse esse o estado mais habitual. Se os portugueses soubessem como são os Conselhos de Ministros, como todo o trabalho orçamental está bloqueado pelas resistências de ministros e pela espera das decisões da troika, percebiam muito do que é o estado do país. A coisa está tão negra e tão confusa, tão desesperançada, que nem o ministro da propaganda Maduro está com força anímica para inventar mentiras eficazes.
O último produto do laboratório orwelliano governamental para responder às decisões do Tribunal Constitucional é contraditório e pífio. Por um lado, diz Portas, o essencial da “reforma laboral” passou no Tribunal Constitucional (os feriados e os dias de férias…), e o menos importante (os despedimentos sem regras, estão mesmo a ver a irrelevância…) chumbou. E logo a seguir, dito pelo mesmo, o mantra ameaçador da perplexidade dos mercados face às decisões do Tribunal. Não percebo por que razão tendo tido o Governo vencimento de causa constitucional no que era mais importante, cai o Carmo e Trindade da Comissão, do BCE e do FMI, pela parte que era menos importante… Já nem sequer se preocupam em elaborar mentiras com algum nexo.
Mas o essencial do enorme impasse em que está a governação reside na conjugação da tempestade perfeita: a “crise Portas” deitou fora a “credibilidade” de Gaspar, e é natural que assim seja porque Portas saiu “irrevogavelmente” por considerar que a política de austeridade estava esgotada e queria mostrar resultados na “economia” e pôr a troika na rua. Está-se mesmo a ver como é que esses “sinais” são lidos pelos “mercados”, até pela sua inconsequência. Portas é o directo responsável pela crise dos juros portugueses e anda por aí em campanha eleitoral a falar de “recuperação económica”. Se houver segundo resgate, como muito provavelmente haverá, de forma aberta ou encapotada, agradeçam-lhe num lugar de honra. Não é o único, bem pelo contrário, mas foi de todos aquele que mais mal fez ao país, pela futilidade da sua vaidade e do seu gigantesco ego.
O menosprezo do Presidente pelos factores políticos da crise, que levou a manter em funções o “navio-fantasma” do governo da diarquia Passos-Portas, apoiado pela opinião publicada que assume o discurso da “inevitabilidade”, pela imprensa económica e peloestablishment financeiro, assente na fraqueza de Seguro, impediu que a solução, arriscada, imperfeita, e com custos, das eleições antecipadas pudesse alterar os dados da questão e permitir mais espaço de manobra política. Conheço muita gente que nem queria ouvir falar de eleições e hoje começa a perceber que elas permitiriam alterar os dados políticos, que o actual impasse não permite.
Por tudo isto, depois de amanhã vamos acordar na antecâmara do Inferno. Pensam que estou a exagerar? Na verdade, nestes dois anos, a realidade tem sido sempre pior do que a minha mais perversa imaginação, porque as coisas são como são, tão simples como isto. E são más. A partir de amanhã, haja convulsão mansa no PSD, ou forte no PS, acabarão por milagre as pontes, túneis e medicamentos gratuitos, que ninguém fará, nem pode fazer, e vai começar o discurso puro e duro da violência social contra quem tem salários minimamente decentes, quem tem emprego no Estado, quem recebe prestações sociais, quem precisa de serviços de saúde, quem quer educar os seus filhos na universidade, quem quer viver uma vida minimamente decente, quem quer suportar uma pequena empresa, quem paga, com todas as dificuldades, a sua renda, o seu empréstimo.
O que nos vai ser dito, com toda a brutalidade, é que os nossos credores entendem que ainda não estamos suficientemente pobres para o seu critério do que deve ser Portugal. Apenas isto: vocês ganham muito mais do que deviam, não podem ser despedidos à vontade, têm mais saúde e educação do que deveriam ter, trabalham muito menos do que deviam, vivem num paraíso à custa do dinheiro que vos emprestamos e, por isso, se não mudam a bem mudam a mal. Isto será dito pelos mandantes. E isto vai ser repetido pelos mandados da troika, sob a forma de não há “alternativa” senão fazer o que eles querem. Haver há, mas nunca ninguém as quer discutir, quer quanto à saída do euro, quer quanto à distribuição desigual dos sacrifícios, de modo a deixar em paz os mecânicos de automóveis e as cabeleireiras e olhar para os que se “esquecem” de declarar milhões de euros, mas isso não se discute.
Por que é que, dois anos depois de duros sacrifícios, estamos pior do que à data do memorando, por que é que nenhum objectivo do memorando foi atingido, por que é que o Governo falhou todos os valores do défice e da dívida, porque é que o desespero é hoje maior, a impotência mais raivosa, o espaço de manobra menor, isso ninguém nos explicará do lado do poder. Vai haver um enorme atirar de culpas, à troika, do PSD ao CDS ao PS, à ingovernabilidade atávica dos portugueses, aos sindicatos comunistas, aos juízes conservadores do Tribunal Constitucional, e o ar ficará denso de palavras de raiva e impotência. Mas “vamos no bom caminho”, dirá o demónio de serviço à barca do Inferno. Depois de amanhã ouviremos essas palavras." José Pacheco Pereira (28.09.13)

via
http://coisaseloisas.wordpress.com/2013/09/28/depois-de-amanha-acordamos-mais-perto-do-inferno/

quinta-feira, 11 de abril de 2013

Bataille Georges

Bataille, Georges - História do Olho by Pedro Paulo Fonseca

http://pt.scribd.com/doc/56197721/Bataille-Georges-Historia-do-Olho v/ http://www.orgialiteraria.org/2010/03/historia-do-olho-georges-bataille_29.html http://youtu.be/6u8qA5MgDS8

sexta-feira, 28 de setembro de 2012

lobas que correm

«O livro Mulheres que Correm com os lobos, de Clarissa Pinkola Estés, trata da essência da alma feminina: a Mulher Selvagem. Através de 19 contos arquetípicos, temos a oportunidade de mergulhar no terreno psíquico para resgatar a raiz instintiva mais profunda da mulher. Lobas que Correm é um blog que funciona como um fórum, tendo como objetivo discutir esta fantástica obra de Clarissa.» Analista junguiana, com 20 anos de prática, tendo sido diretora-executiva do C.G. Jung Center, em Denver. Doutora em estudos multiculturais e psicologia clínica pelo The Union Institute, ela é autora premiada por suas fitas como "The wild woman archetype", sobre o papel dos instintos na natureza feminina, "Warming the stone child", sobre crianças sem mães, "In the house of the riddle mother", sobre os arquétipos recorrentes em sonhos de mulheres e "The radiant coat", sobre as fronteiras entre a vida e a morte. "Mulheres que correm como os lobos" é seu primeiro livro. ~~~~~~~~~~~~~~~~~~~~~~~~~~~~ http://lobasquecorrem.blogspot.pt/search?updated-max=2009-05-07T08:03:00-07:00&max-results=10&start=4&by-date=false ~~~~~~~~~~~~~~~~~~~~~~~~ http://lobasquecorrem.blogspot.pt/

quinta-feira, 1 de março de 2012

quinta-feira, 7 de julho de 2011

O Amor é ...

Miguel Esteves Cardoso - O Amor E Fodido - PT

segunda-feira, 13 de junho de 2011

A cidade dos poços

A Cidade Dos Pocos Jorge Bucay a4

http://pt.scribd.com/doc/56636309/A-Cidade-Dos-Pocos-Jorge-Bucay-a4

O Elefante Acorrentado

7998 elefante








A única maneira de saberes se és capaz, é tentando novamente, de corpo e alma... e com toda a força do teu coração!



O ELEFANTE ACORRENTADO




Quando eu era pequeno, adorava o circo e aquilo de que mais gostava eram os animais. Cativava-me especialmente o elefante que, como vim a saber mais tarde, era também o animal preferido dos outros miúdos. Durante o espectáculo, a enorme criatura dava mostras de ter um peso, tamanho e força descomunais... mas, depois da sua actuação e pouco antes de voltar para os bastidores, o elefante ficava sempre atado a uma pequena estaca cravada no solo, com uma corrente a agrilhoar-lhe uma das suas patas.



No entanto, a estaca não passava de um minúsculo pedaço de madeira enterrado uns centímetros no solo. E, embora a corrente fosse grossa e pesada, parecia-me óbvio que um animal capaz de arrancar uma árvore pela raiz, com toda a sua forçam facilmente se conseguiria libertar da estaca e fugir.

O mistério continua a parecer-me evidente.

O que é que o prende, então?

Porque é que não foge?



Quando eu tinha cinco ou seis anos, ainda acreditava na sabedoria dos mais velhos. Um dia, decidi questionar um professor, um padre e um tio meu sobre o mistério do elefante. Um deles explicou-me que o elefante não fugia porque era amestrado.

Fiz, então, a pergunta óbvia:

- Se é amestrado, porque é que o acorrentam?

Não me lembro de ter recebido uma resposta coerente.



Com o passar do tempo, esqueci o mistério do elefante e da estaca e só o recordava quando me cruzava com outras pessoas que também já tinham feito essa pergunta.

Há uns anos, descobri que, felizmente para mim, alguém fora tão inteligente e sábio que encontrara a resposta: O elefante do circo não foge porque esteve atado a uma estaca desde que era muito, muito pequeno.



Fechei os olhos e imaginei o indefeso elefante recém-nascido preso à estaca. Tenho a certeza de que naquela altura o elefantezinho puxou, esperneou e suou para se tentar libertar. E, apesar dos seus esforços, não conseguiu, porque aquela estaca era demasiado forte para ele.

Imaginei-o a adormecer, cansado, e a tentar novamente no dia seguinte, e no outro, e no outro... Até que, um dia, um dia terrível para a sua história, o animal aceitou a sua impotência e resignou-se com o seu destino.



Esse elefante, enorme e poderoso, que vemos no circo, não foge porque, coitado, pensa que não é capaz de o fazer.

Tem gravada na memória a impotência que sentiu pouco depois de nascer. E o pior é que nunca mais tornou a questionar seriamente essa recordação.



Jamais, jamais tentou pôr novamente à prova a sua força...



(em Deixa-me que te conte, Jorge Bucay)

sábado, 28 de maio de 2011

rinite alérgica

Ai meu nariz, ai meu nariz. Ele parece muito mais um chafariz”. O médico João Ferreira de Mello Júnior, chefe do Grupo de Alergia em Otorrinolaringologia do Hospital das Clínicas de São Paulo, elaborou o conteúdo de um site com informações sobre a rinite alérgica. Ele se chama… “O Meu Nariz”.
A doença afeta cerca de 30% da população mundial, segundo dados da Organização Mundial da Saúde (OMS). O portal sobre a rinite alérgica reúne o funcionamento da doença, seus mitos e tratamentos. Também possui jogos e links para comunidades sobre o tema. Os papéis de parede são irrelevantes, mas a ideia de desmistificar a doença mostrando como controlá-la é interessante."


http://www.omeunariz.com.br/


via
http://xisxis.wordpress.com/

quarta-feira, 18 de maio de 2011

cegos de imagens

"Ítalo Calvino fala nas Lições Americanas da capacidade de convocar imagens em ausência – ausência delas, imagens, como paisagem constante envolvente, segunda natureza sempre presente - como uma qualidade que o cérebro contemporâneo estaria em risco de perder. E assentava, nessa operação específica, o que poderemos apelidar de um pilar da imaginação. Perder a capacidade de convocar imagens em ausência poderia levar, era a hipótese, à perda da imaginação. O raciocínio de Calvino prende-se com a babel de signos a que estamos permanentemente sujeitos, em que submergimos como se poderá dizer de um peixe que está cada vez mais fora de água porque à água retiram as qualidades que a possibilitam vida, mas que ao contrário deste não se move num ambiente natural mas num ambiente criado, pura poluição imagética no urbanismo desregulado da concorrência capitalista no espaço público e privado, este devastado massivamente pelos poderes publicitários dos média, guarda avançada da “ditadura consumista”. Esse universo não é constituído apenas por imagens visuais, mas por todo o tipo de imagens a elas associadas, por via acústica também, por via odorífera, e certamente pelas imagens mentais das palavras e dos próprios discursos, criando planos imagéticos e neuronais – ideológicos, induzindo comportamentos – diferentes dos das imagens puramente visuais, que se podem isolar na complexidade de signos da babel contemporânea apenas como método, pura técnica analítica, já que não é de facto possível separar o que é indissociável – as imagens são híbridas por natureza - e constituem o ar da nossa respiração mental, nosso “ouver” perpétuo. Nem os mosteiros escapam, mesmo os da reclusão total ao circuito das auto-estradas, não havendo a possibilidade da clausura como recusa do mundo porque o mundo já lá está, por todo o lado desde que nascemos, como aquilo que é, mundo desnaturalizado, cultural, quando a opção pelo silêncio e pela contemplação possam fazer-se. Mas certamente aí a imaginação, à força de meditação e de literatura religiosa, se dirige a imagens específicas, orientadas. A outra presa no cliché voa o que o peso do cliché voar, age por mimetismo induzido, aliás começamos assim a falar, mas de um modo que aí não está pré feito e é imprevisível. Não dizem as crianças antes da aculturação sensata integral “disparates” tão interessantes?

É aparentemente evidente entretanto que na babel dos signos, os signos abstractos e as convenções gráficas enquanto beleza e instrumentos de interpretação e expressão do real, não possuem essa qualidade de duplicarem a realidade - são convencionais - qualquer que seja esta e sob que forma seja, o que é apanágio das imagens visuais, já que estas vivem primeiro de uma imediata relação mimética – a foto, o vídeo - e num segundo tempo de uma relação reelaborada, essa sim linguagem, para lá da imagem que queira canibalizar.

A primeira imagem é mesmo a de um Narciso, a criança a descobrir-se no espelho, e curiosamente Marivaux, em a “Querela”, promove em laboratório dramático o modo como a percepção do rosto pelo próprio o leva, num segundo tempo, a ler nas expressões da pessoa que observa a sensação inelutável de algo profundamente agradável, descobrindo nas próprias imagens, para si, a consciência do que faz, levando esses movimentos da psique à própria descoberta da linguagem do amor como descoberta da própria humanidade – mas essa imagem, era a imagem pura de um tempo em que a paisagem não necessitava de ser protegida, nem a natureza de parques naturais.

Creio que a imaginação não tem ainda o seu mapeamento identificador, mas suponho que deverá estar ligada por sistemas neuronais complexos à consciência, à memória e fundamentalmente à superação do cognitivo e operacional, pelo prazer da criação das imagens como actividade específica das artes, o que se faz através de todas as formas materiais de invenção de ficções, sejam verbais, sejam presenciais e espectaculares, sejam cinéticas e acústicas.

Já que a máquina orgânica parece ter peças específicas para funções diferenciadas do cérebro e creio que esta, da imaginação, deve dar-se bem com várias, portanto ligada a um sistema de neurónios e a impulsos neuronais em rede, será que a tese de Calvino é menos catastrófica do que nos parecia há uns anos
?
"

fernando mora ramos



https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEjE4bx3qXflci3mQJY_DQD4Rx8eqrTyeezKwu40wb5OCP0SDnro8UoS6L3yDB2CKj-zwZBjxUL0mZ8rAApiUJJv7Y2OZWhiFSI79lr9MDGGcrleHv3Q_2w2FkeyYVlXk9EAIyrHV5kS4Qus/s1600/058c970c-80cc-11e0-8351-00144feabdc0.jpg

http://www.youtube.com/watch?v=EjGW68YV3yI&feature=player_embedded

O enterro do conceito

"O conceito era elementar em filosofia. A sua vértebra mínima, e por ela se formavam corpos de potencialidade analítica. Corpos diferentes uns de outros tal como as vértebras se corporizassem. E que diria um conceito? Uma espécie de pensamento, de apropriação de uma experiência traduzida numa formula que a trouxesse a uma evidência mental. Uma evidência portanto conceptual, que resultasse da articulação de formas de apropriação conceptual de realidades objectuais exteriores, de fenómenos e dinâmicas materiais. O conceito será lapidar, um grau de abstracção quase perfeito na revelação de algo que se possa isolar, na realidade, como experiência reconhecível, realidade objectiva, verdade insofismável. Pelo menos assim parecia ser, como por exemplo o conceito de realidade, de conjuntura, de objectividade, de determinação em última instância pelo económico, de subalternização do prospectivo crítico ao real, ao pragmático, do escravizar da alma ao corpo, finalmente tão pesada quanto ele. Assim parecem ser as coisas, isto é, aquilo que na realidade são os seus princípios ordenadores – o princípio da realidade por oposição ao princípio onírico ou utópico -, pondo as coisas na sua ordem hierárquica, submetendo a uma condição marginal, depreciada, o que são as coisas da fantasia, do desejo convertido em ficção, da fome de tudo o que não se come como substância real, materialidade palpável, pensamento que não seja rasteiro, não pensamento.

Mas o conceito veio à baila não como forma elementar do que em filosofia é o elemento mínimo de uma articulação discursiva, mas porque o conceito hoje se democratizou – massificou - ao ponto da sua prostituição, aplicável ao que for que se possa consumir, adquirir por um preço. O conceito do interior da casa, o conceito do menu, o conceito da sobremesa, o conceito de colher de mesa e de faqueiro, o conceito do que a eito é o conceito do que for, a lingerie certamente mas, menos do que isso quando isso já é quase nada, o conceito mesmo de como colocar a anca no prato da sedução publicitária mais canhota possível, aquela que leva uns a optar por uma pastilha elástica em vez da outra.

O conceito nunca desceu tanto quanto o que possa ser essa instrumentalização do conceptual como modo de vestir o que se queira vender, mais do que outra coisa qualquer que também tem direito ao seu conceito, uma nobilitação do que a mercadoria mais comezinha possa ser, uma ascensão do trivial aos céus do jet-set por exemplo, que sabemos ser um novo Olimpo, o Olimpo do negócio do kitsch com as suas boçalidades analfabetas de gosto e drama de pacotilha, tal como nos episódios sangrentos do folhetim oitocentista, tão em voga no ecrã da era televisiva e digital. Como se os conceitos fossem tamanhos diferentes de frutas idênticas de uma mesma árvore que não suporta nenhuma outra enxertia porque esgotou a sua imaginação genética.

Eu já enxertei uma maçã meio bravo de Esmolfe numa Starking e a macieira não fez a síntese, antes cada enxerto deu o que já era, contra qualquer mestiçagem. Neste caso a árvore do saber pode evoluir como uma biblioteca previsível e cada ramo seguir a sua constelação de revelações específicas de um mundo que são mundos limitados de um ilimitado horizonte – o que é uma biblioteca senão a impossibilidade de esgotar o saber?

Quando me perguntam pelo conceito das calças e me dizem que é o de ter as bainhas levantadas, ou de exibir uma cintura abaixo do umbigo, claro que entendo que o conceito se massificou e se aplica a qualquer coisa, mesmo ao que não se dá bem com ele, certamente o próprio peido, mais difícil de conceptualizar mesmo que outros odores tenham conceito. E daí o que nos vem? O que vem daí é que a vulgarização do que possa ser pensar qualquer coisa é, desde logo, rebaixado pelo facto de que qualquer coisa é conceptualizável e que portanto, o conceito, aplicado a tudo e nada, nada possa ser. E é este o problema. Nada pode revelar-se como algo perceptível se a força reveladora do conceito se tiver prostituído ao ponto de se fingir como profundo o que é apenas trivial. Quando o trivial reduz a profundidade à ditadura da sua superficialidade estamos definitivamente incapazes de sequer perceber o que andamos a fazer e de finalmente tomarmos consciência de que já não somos os mesmos, aqueles que sonharam com uma democracia que superasse as características da democracia formal, a que fala de direitos humanos apenas na lei. Direitos que, nos tempos que correm, estranhamente, são consumidos permanentemente como uma justa potencialidade de futuro a ser sucessivamente destruída como vulgaridade do que é instrumentalizado, pois a sua forma de uso retirou-lhe a substância crítica, faz parte dos póqueres de sedução mediática dos jogos de poder e maquilhagem dos poderes, que se estão nas tintas para o efeito de momento pois sabem que a seguir, outro efeito de momento virá e que o único efeito de momento relevante é o que está próximo de um qualquer acto eleitoral, momento de excepção da feira dos partidos e seus produtos, altura em que o animal político é exposto como criatura dialogal e faz acrobacias verbais mais ou menos circenses para encantar a plebe. Na realidade, a política deixou de ser a arte da governação para ser mais um território de negócios. Não há político que não tenha acções e cargos de renda, empresa privada, cadeira num conselho e de administração ou numa assembleia de poder, e mesmo os que apenas estão no negócio parlamentar não deixam de, aos olhos da massa, ser uma espécie de PME de interesse próprio e de grupo, pois a renda, mesmo com o Almeida Santos a dizer que é pouco - e o Presidente do PS sabe do que fala - é um insulto se pensado relativamente ao salário mínimo nacional. Pois de que vivem e de que vivem muito melhor que os demais se não é daí? Pois é, o conceito, na esfera da recepção, e tudo é recepção pela homogeneização do que faz a cultura hoje – não há vida fora do mercado - a esfera aquisitiva trabalhada pela generalização do publicitário como a forma específica da cultura pós moderna, significa que o poder é o poder desse negócio das imagens constante de um combate de galos de que as estatísticas são o preço de saldo em constante oscilação no mercado dos votos. Para além dos que vão sendo chutados para fora do mercado eleitoral – os que falam d o acesso a esse gesto como direito, universalidade, falam só como manual, como delegados de um clausulado abstracto – os outros ou votam por interesse ou de modo alienado, não há três vias pois todos vendem gato por lebre, mesmo os que pensam que vendem lebre por gato, mesmo os que se vendem com a marca da autenticidade sincera. Como disse o bispo Januário Torgal, só uma ruptura interessa a Portugal.
"

por - Fernando Mora Ramos

Papel de embrulho com peluche no laço

"As crianças, nas suas visitas de estudo, poderiam conhecer o mar, a pesca, os Jerónimos, a Serra da Estrela, etc., e poderiam mesmo conhecer outras coisas, como o interior dos interiores junto às casas mortas das aldeias da pura memória, as famílias solitárias, a árvore mais antiga de Portugal, o ruivaco de regresso à ribeira de Alcabrichel, a vaca açucarada das Caldas, o rio Homem, as falésias da costa vicentina, as Terras de Suão, as vinhas do Douro, o montado alentejano, o porco preto e o porco da farinha de peixe ou lá o que lhe derem para engordar, a aquicultura e a pesca à linha, a lagoa de Óbidos, o vinho dos mortos e as invasões francesas no seu sítio, A Dos Francos, o silêncio que resta no interior mais interior do último arvoredo português cercado de eucaliptos e tantas outras coisas vitais que nenhuma folha A 4, nem A 3, nem a própria alcatroada A OITO, nem um romance de duzentas páginas de títulos possíveis de ficções poderiam conter. Poderiam conhecer coisas muito diferentes. Mas agora o que se passa é que as crianças fazem visitas de estudo a centros comerciais e têm aulas de como comprar e vender coisas e pessoas, pernas de pessoas da bola biqueirada e cabelos e unhas assim e assado e como encurtar ou aumentar o nariz, formas de desenhar as partes íntimas e piercings de pendurar nos artelhos para dar nas vistas aos artelhos adversários na competição global, pois tudo se aprende para sermos competitivos e exportar como diria o professor Cavaco, o que der para exportar, até a avó claro, uma avó de qualidade, competitiva. Numa outra vertente, as nossas crianças, têm também aulas de novela, de como consumir outros que, deste modo, muito maus ou muito parvinhos, são tão descartáveis, ou menos, que o urso de peluche, pois esse não discorda, só abre o corpo ao abraço, nem urrando, pois as pilhas, logo gastas, esgotaram-se no tempo de um abraço apertado, sem medida calibrada. É isto, segundo os analistas psicólogos e sociólogos e mesmo engenheiros, mais os opinian makers TVvisíveis – os do fazer o pino opinativo -, que se passa hoje em dia: a transposição dos afectos, antes humanos entre humanos, para os animais de estimação vivos humanizados pela nossa capacidade de os ficcionar e pelos beijinhos pedagógicos nas babas diversas, pois os animais mortos, os de peluche, não satisfazem o afecto predador dos miúdos e dos que, adultos, ficaram adolescente e infantes – o adolescente retardado abunda e o sempre infante também (conheço alguns que já vão nos sessentas e são responsáveis e estimados pela sociedade como seres pensantes e relevantes apesar de às escondidas namorarem o bibe e terem muitos cd’s para fazer castelos como com legos - este tipo humano espalha-se como uma nova fé no Império das famílias hiper-protectoras). Os miúdos gostam de apertar muito o bicho vivo e não o morto, pois este não responde e portanto não é interactivo e não o sendo não é pedagógico, num abraço que, por vezes, é de urso e nada de peluche. Estes bichos vivos, que se vendem em lojas da especialidade – nunca vi tanta passarada em gaiolas e tanta selva a morrer - já passaram há muito a soleira da porta e ocuparam no leito o lugar do parceiro ou parceira. Muita gente gostaria de ser bicho de estimação e uma grande parte desta gente que tem esse desejo gostaria mesmo de atingir o estatuto do gato de divã, esse animal que faz a psicanálise à dona, ou dono, com o seu ronronar inteligentíssimo e que depois, num gesto de cumplicidade sadomasoquista arranha a dona nos pontos conhecidos da acupunctura para lhe expulsar o tóxico stress erótico pelas narinas, por onde também saem certas alergias primaveris – o erotismo, que é uma prática e não um acidente, exige alguma escola e que, ao mesmo tempo, se não perca a inocência do primeiro impulso, tudo com muita blindagem por causa das bactérias e dos vírus e das contaminações. É o próximo passo talvez, o casamento entre espécies diferentes, por exemplo entre um camelo e um habitante das beiras, ou entre dois camelos com bossas diferentes, ou entre um camelo estúpido e um dromedário inteligente, ou entre uma iguana e duas vanessas, ou entre dois camaleões em regime de beliche por acoplagem com dois furões em extinção mais que havida, tudo na mesma toca de 4 assoalhadas e quatro camas de casal para sexo rotativo em digressão doméstica – como nos rodízios brasileiros, essas manjedouras amazónicas -, ou mesmo entre um lagarto, uma pomba e um gambozino, casamento nocturno como as composições do Chopin para depois dos sóis postos, ou mesmo entre dois caniches que tenham frequentado o colégio alemão e um rotvailer que tenha andado no francês, ou para finalizar esta listagem aberta, entre um Sócrates que ladre inglês técnico e um conselho de administração qualquer que fale estatística e em que faça de centro de mesa um Coelho, por exemplo – isto não é ironia sobre os casamentos gay, que é uma conquista maior que Abril como qualquer Sócrates dirá, é sobre o casamento apenas, esse selo de afecto carimbado pelo institucional que mata o passional embrulhando-o numa expressão legal e em supostos direitos, que correspondem a deveres e situações de auto castração das liberdades libertinas e outras, que obrigam a modos de vida estritos e que são muito bons para a nossa sociedade de mercado, para a família e para a santa casa que, como sabemos, põe esta gente toda a comprar lotaria na porta da desgraça, à entrada do tsunami de serviço ao esbulho a que nos sujeitam, nós filhos bastardos da Europa, essa Puta e do FMI, esse proxeneta. Os nossos netos, o futuro, os nossos filhos, o futuro, agradecem em nome dos afectos e da dívida que carinhosamente a sociedade do hiper-consumo massivo constrói com denodo, gentileza sorridente e muitos embrulhos, os mais criativos que se possam imaginar. Somos aliás o primeiro produtor mundial de papel de embrulho e laços, e vamos exportar o mais que pudermos para sair da crise para uma nova crise tão boa como esta que tem muitos centros comerciais."

Por: Fernando Mora Ramos

Mediocridade, partidocracia, mérito e democracia

"A mediocridade não tem obra, suga a alheia. Não é uma identidade activa, prospectiva, é aquela forma sem vértebra, hábil em mexer cordéis que a pessoa do oportunista ou instituição manobram nas águas turvas de um caminho que se trilha sem sobressaltos, de modo garantido, fermentando o bloqueio dos processos, sacaneando o parceiro, o outro ou outra entidade, e disso colhe o que procura como lucro privado e íntimo – o medíocre é perito na oportunidade, é oportunista, e não concorre com o outro pela qualidade da coisa pelo jogo da alternativa, o medíocre corre com o outro pela via do bastidor, do truque, é chico-esperto. Ele é o pilar da imobilidade e na imobilidade tem a sua renda – nada melhor que um deslize dos prazos das obras, que um reajuste orçamental, que um poleiro inútil, pouco visível e pago em senhas de presenças, viatura, refeições, horas fora de horas, salário directo no NIB, férias, prémios de desempenho pela invisibilidade competente, etc.; nada melhor certamente que a criação necessária de uma Fundação desnecessária, que uma comissão que se prolonga por objectivos não atingidos e plena de reuniões não realizadas, nada melhor que fingir na simulação bem urdida a mudança para que tudo fique na mesma. Ele é o filho-da-puta de que fala o Alberto Pimenta, aquele do discurso que se cola à ocasião que, não o obrigando a nada, o mantém à tona garantindo-lhe as benesses tramadas ocultamente e fazendo fluir o pequeno e o grande tráfico em que está envolvido.

A mediocridade não produz riqueza, é improdutiva, porque justamente na média apenas se concretiza o que a inércia concede e não aquilo que, inventado – sair da crise é invenção e não aplicação de receitas anteriores -, o futuro necessita: a tal riqueza própria criada que, investida em democracia, poderia viabilizar um país livre e não uma bagunça descoordenada em que justamente reinam os mais medíocres, daqueles que também ganham as eleições porque espelham um desígnio da média que vota na média e da bagunça que é seu habitat – o ambiente em que as coisas crescem como viroses, doença ideológica conformista, é o habitat da política portuguesa que, sem verdadeiras rupturas, não encontrará respostas saudáveis ao que tem de enfermo. Os medíocres adoram as águas turvas e nesta opacidade ambiente prosperam, nada melhor que manobrar em lugar oculto, em estranhas associações, em reuniões de três e de cinco, em plataformas negociais de interesses privados de grupo, aí residindo o espaço de decisão dos verdadeiros poderes. De um espaço a outro o medíocre faz o seu caminho. Da loja para o grupo, do grupo para o partido, do partido para o voto concelhio, do voto concelhio para o geral. Da eleição para o cargo na empresa, da empresa para o Ministério e vice-versa, assessor, administrador, consultor, executivo de topo, chefe de gabinete, membro de conselho de administração com cargo não executivo, director-geral, presidente do conselho de administração, secretário de Estado, accionista anónimo de capital saqueado por via habilmente legalizada, predador imobiliário e mesmo usurário: eis os meandros. Quantas donas Brancas não singraram com o aval das instituições mais supostamente sérias, ungidas de auréola moral e de auréolas de outro tipo, religiosas e a da infalibilidade tecnológica aliada a uma competência que nunca se traduz em melhoria, nem em resultado palpável, nem tem dimensão humana?

Será a democracia, a democracia do voto? Não, não é. Porque mais de metade da população não vota, isto é, mais de metade não reconhece esta democracia como uma democracia e nela não se faz representar. Como um corpo sem as patas de trás, com meio pulmão e um coração mecânico que se arrasta para uma debilidade cada vez maior. Se aos que não votam se juntarem os votos brancos e nulos há uma vasta massa de criaturas fora do sistema que, na realidade, não vota na média e que portanto não se identifica com a mediocridade instalada, mesmo que o sistema em que reinam os que fazem da média o seu poder os caracterize como desistentes, irresponsáveis e outros epítetos. Estes fora do sistema não são necessariamente a maioria silenciosa do medíocre Spínola, nem a massa amorfa dos supostos absentistas do voto, nem são tão diferentes de uma grande parte dos que votam e que o fazem sem opinião, por puro mimetismo ou empurrados por terceiros, mesmo obrigados e alguns levantados da cama quase mortos para a ela voltarem para expirar sem a paz merecida depois da cruzinha preenchida no cacique mais ou menos familiar.

Os que não votam são mais do que os epítetos que lhes querem colar à pele e são muitos, são a maior maioria e uma maioria feita de imensas diversidades – é um estudo por fazer e ninguém o faz, menos ainda os sociólogos, estes teriam de ir para o verdadeiro terreno e constituir equipas esforçadas e persistentes, mais do que manipular segundo as circunstâncias amostras ditas paradigmáticas ou dados estatísticos mais que suspeitos a favor de teses que são anteriores à própria investigação para confirmarem os seus estudos académicos nada experimentalistas. Estas zonas por investigar, estes buracos negros da democracia, continuam cuidadamente fora de ser objectos de investigação, e portanto nas profundezas do ignoto por razões obviamente do sistema que só tende à reprodução das malformações convenientes a quem o estrutura laboriosamente nos limiares promíscuos da relação entre público e privado.

Os que não votam são, seja como for, a prova de que a democracia dos medíocres não os consegue convencer a que votem, trinta e tal anos depois, ou de que nem lhes chega o desejo de votar sequer através da voz institucional e massificadora do direito de votar – os partidos também não saem de votações baixas, vistos os números -, o que significa que há quem esteja fora do sistema por precariedade total e que por essa razão, que esta democracia não combate de modo que a aprofundasse, nem sequer acede ao voto, mesmo perante o proclamado direito a saltar-lhe em frases publicitárias frente aos olhos cegos – no país da estatística somos não sei quantos alfabetizados, até licenciados - cujos canudos se adquirem na versão de Bolonha como produtos brancos de supermercado - mas no país real somos maioritariamente iletrados e incapazes de criar riqueza libertadora.

Nos partidos abundam os fiéis que apenas fazem número, mesmo que nos partidos exista um potencial de transformação dos próprios partidos justamente junto dos que são apenas os marginalizados seguidores não fiéis. Os partidos praticam o simulacro da pluralidade mas são partidos cujos eleitores votam os secretários gerais em votações na casa dos noventa por cento, à moda das tradições de homogeneidade acéfala que conhecemos. Dos outros, dos elementos dos partidos e seus aliados ditos independentes, directamente sistémicos, há que indagar quantos agem pelo interesse geral e com que competências. Quantos parlamentares produzem de facto matéria legislativa? Quantos intervêm? Que qualidade tem o material produzido? Quem fala disso ou analisa isso? Quantos têm posições próprias, reflexão sobre as matérias que supostamente conhecem? Ensaios, estudos, análises? Não basta ser capaz de levantar o braço, nem basta ser capaz de reproduzir um discurso que o chefe proferiu antes. Cada deputado deveria ser um partido para quem o elegeu, o verdadeiro representante da categoria glocal – global e local -, como diria o Marc Augé.

À verdadeira escola, à verdadeira cultura, não escaparia a tal criação de riqueza que libertaria o país, o que não é apenas uma conversa de crescimento com uns quantos algarismos percentuais para satisfação de cabeças estatísticas. Porque a essa escola só pode corresponder uma cultura – resultado também da escola estética, da prática e fruição das formas de conhecimento específicas desses discursos fundamentais - da qualificação constante com incidência económica, no quadro de uma política do mérito eleita como regra democrática e ambiente crítico - o respeito desta formulação colocaria que percentagem da actual classe dita política no desemprego, ou no devido emprego?

Assim sendo, uma maioria de portugueses não vota por estar fora desta democracia e por não reconhecer na lógica representativa, tal como é praticada e manipulada, uma verdadeira dignidade e verdade de representação, sentem-se exteriores ao sistema, excluídos da política como ela é praticada pelos que se auto-nomeiam políticos e pelo sistema que também os nomeia desse modo. A delegação de interesses num suposto grupo de pessoas proposto por partidos e que é escolhido dentro dos partidos por uma via absolutamente privada – são associações privadas com vocação pública, o que não significa representação do interesse público – para ulteriormente ser ungido pelo voto da eleição geral, é um mecanismo que na realidade funciona de modo corporativo e segundo interesses que não respeitam a representação mas que, pelo contrário, são expressão de formas de desenvolvimento de tráfico dentro dos partidos e entre as capelas partidárias e as empresas e também de outros interesses, nomeadamente salariais e de cargos – o cargo de deputado europeu o mais ambicionado, claro. Fora deste esquema não há verdadeiramente partido algum, já que nos partidos que apenas acedem aos poderes públicos e não aos poderes empresariais e financeiros, o mecanismo interno de selecção de candidatos e de acesso aos poderes internos deixa muito a desejar e não procede de modo que funde competências político técnicas, nem paradigmas de funcionamento interno democrático capazes de gerar trabalho e obra como dedicação ao país e ao planeta. Os candidatos não são sujeitos a critérios de verdadeira exposição e combate democráticos, são objecto de listagens e de lutas de lugares, de hierarquias, sendo raro o espaço de uma verdadeira pluralidade de opinião e posicionamentos geradora de dinâmicas não dirigidas de modo dirigista e resultados de lógicas mais que de antagonismo de conjuntura. O trabalho lento, diverso e íntegro de um verdadeiro projecto concreto de alternativa futura não surge com a consistência da projecção possível na prova prática, há programas de partidos totalmente indigentes e ainda mais sectores da realidade ignorados nos próprios capítulos que se lhes dedicam. O caso da cultura é paradigmático e nunca nada se diz sobre as políticas do património, dos museus, da língua, das artes plásticas, do cinema, do audiovisual, do teatros, das artes performativas em geral, da criação, da internacionalização, do livro, da divulgação e animação culturais, da inscrição no território das estruturas de criação como componentes da identidade contemporânea nacional e do espírito de tradição universalista europeu, da articulação entre as artes como profissões e os ensinos como um caminho para lá se chegar, etc., nunca nada se diz sobre a importância dos clássicos, mas finalmente fazem-se declarações pomposas sobre as potencialidades económicas de Pessoa como marca e do inglês técnico para nos abrir a porta do paraíso. Nenhum partido tem dentro de si uma verdadeira capacidade de experimentação do futuro e lamentavelmente nenhum deles desenvolve na sociedade civil um verdadeiro campo de experimentação social em antecipação do que de facto desejaria desenhar como futuro, mesmo de um modo apenas “apontado”, a partir da própria realidade organizativa interna partidária e adjacente. O decréscimo de forma organizativas próprias de modelos de sociabilidade democráticos, tais como as mutualistas, as formas cooperativas e autogestionárias, as universidades populares e outras formas organizativas de livre iniciativa – organizações privadas sem fins lucrativos – são hoje em dia, no todo social, formas residuais ou de entretenimento terapêutico/social, e mesmo os sindicatos não se desenvolvem verdadeiramente como um vasto campo de cultura alternativa sob formas organizadas socializadoras, para além do combate político no estrito sentido da oposição ao poder governativo de um modo muitas vezes apenas como contraponto mecânico, puramente reactivo e não autonomamente activo e livre, potencia de futuro.

Os partidos, para serem partidos que representassem o interesse geral teriam de, no plano interno, funcionar de forma abertamente democrática e segundo as leis gerais da exposição e do debate abertos. Seriam casas do exercício da política como ciência pública da governação do que é comum. Uma organização não pode ser parcialmente oculta no seu modo de vida associativo privado e reivindicado como tal como ideal para si mesma e depois, em condições determinadas, representar o interesse nacional e geral. É uma contradição nos termos, uma impossibilidade. Os interesses representados para serem gerais não podem gerar-se nas micro estruturas de simbioses identitárias, de fulanizações humoradas e de pequenos interesses, os interesses imediatos dos próprios. Os partidos são geridos por lideranças e o seu sistema de voto interno é, como se sabe, manobrado ao ponto de existirem dentro dos partidos formas de tráfico dos cargos a que se candidatam, inclusive sabendo-se de candidatos que pagaram para serem candidatos a determinados cargos.

Claro que os partidos se podem organizar como quiserem e fazer as reuniões que entenderem como entenderem, mas não podem, por essa via da sua vida interna, reivindicar uma legitimidade de representação do interesse geral. Ao interesse geral só pode corresponder uma identificação absoluta com o que ele é e isso significa, para além de exposição clara às regras da democracia transparente, que os cargos públicos a que se candidatam, parlamento e governo, não deveriam ter, nem corresponder, a nenhum tipo de privilégio nem de salário elevado, mais elevado que o comum dos mortais – o combate dos partidos nunca seria, deste modo, por nada que o comum do cidadão não pudesse fruir e almejar pelo seu trabalho normal. O verdadeiro representante do interesse público não deve estar acima dos seus concidadãos quanto a meios de vida, nem gozar de nenhum tipo de privilégio.

A democracia não se coloca estas questões porquê? Pela simples razão de que é um sistema que serve apenas directamente parte dos que votam, mais ou menos, e os partidos que são proprietários da democracia – é uma democracia para os partidos e não para o interesse de todos. O interesse de todos está longe de poder ser representado pelos partidos e por isso a democracia é muito mais do que os partidos são, embora o sistema remeta para estes o exercício do poder político de uma forma absolutamente imperfeita para aos tempos que correm. A necessidade de encontrar formas pós partidárias de representação do interesse geral está em cima da mesa e é de uma urgência vital. O que acontece na realidade está para além do que os partidos podem e são. Outras formas de exercício do poder dos cidadãos são necessárias de modo a que a inscrição da participação dos cidadãos na vida colectiva se faça como a crise o exige. Ainda recentemente o provou a manifestação da “geração à rasca” cujo primeiro resultado é o da superação da própria condição geracional em que surgiu, o que é um sinal extraordinário de possibilidades futuras. O potencial de mudança da força surpreendente que ali emergiu não encontra formas de participação adequadas à sua própria força de mudança. A sua força de mudança corre o risco de se esgotar no nada.

Num sistema democrático estes sinais de presença e de actividade positiva política encontrariam os seus mecanismos de inserção dinâmica, transformadores, canais abertos á participação e neles os qualificados, os mais capazes e com provas dadas, obras de transformação criativas, seriam reconhecidos pelo mérito do que realizam e por essa via eleitos como líderes de projectos, como mais capazes, como líderes sociais. Mais que uma campanha eleitoral o que deveria guindar alguém a eleito seria a sua obra, ter realizado mudança, coisas palpáveis, ser um criador de formas de liberdade e qualificação da vida dos outros e da riqueza comum."




Fernando Mora Ramos
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