quarta-feira, 18 de maio de 2011

cegos de imagens

"Ítalo Calvino fala nas Lições Americanas da capacidade de convocar imagens em ausência – ausência delas, imagens, como paisagem constante envolvente, segunda natureza sempre presente - como uma qualidade que o cérebro contemporâneo estaria em risco de perder. E assentava, nessa operação específica, o que poderemos apelidar de um pilar da imaginação. Perder a capacidade de convocar imagens em ausência poderia levar, era a hipótese, à perda da imaginação. O raciocínio de Calvino prende-se com a babel de signos a que estamos permanentemente sujeitos, em que submergimos como se poderá dizer de um peixe que está cada vez mais fora de água porque à água retiram as qualidades que a possibilitam vida, mas que ao contrário deste não se move num ambiente natural mas num ambiente criado, pura poluição imagética no urbanismo desregulado da concorrência capitalista no espaço público e privado, este devastado massivamente pelos poderes publicitários dos média, guarda avançada da “ditadura consumista”. Esse universo não é constituído apenas por imagens visuais, mas por todo o tipo de imagens a elas associadas, por via acústica também, por via odorífera, e certamente pelas imagens mentais das palavras e dos próprios discursos, criando planos imagéticos e neuronais – ideológicos, induzindo comportamentos – diferentes dos das imagens puramente visuais, que se podem isolar na complexidade de signos da babel contemporânea apenas como método, pura técnica analítica, já que não é de facto possível separar o que é indissociável – as imagens são híbridas por natureza - e constituem o ar da nossa respiração mental, nosso “ouver” perpétuo. Nem os mosteiros escapam, mesmo os da reclusão total ao circuito das auto-estradas, não havendo a possibilidade da clausura como recusa do mundo porque o mundo já lá está, por todo o lado desde que nascemos, como aquilo que é, mundo desnaturalizado, cultural, quando a opção pelo silêncio e pela contemplação possam fazer-se. Mas certamente aí a imaginação, à força de meditação e de literatura religiosa, se dirige a imagens específicas, orientadas. A outra presa no cliché voa o que o peso do cliché voar, age por mimetismo induzido, aliás começamos assim a falar, mas de um modo que aí não está pré feito e é imprevisível. Não dizem as crianças antes da aculturação sensata integral “disparates” tão interessantes?

É aparentemente evidente entretanto que na babel dos signos, os signos abstractos e as convenções gráficas enquanto beleza e instrumentos de interpretação e expressão do real, não possuem essa qualidade de duplicarem a realidade - são convencionais - qualquer que seja esta e sob que forma seja, o que é apanágio das imagens visuais, já que estas vivem primeiro de uma imediata relação mimética – a foto, o vídeo - e num segundo tempo de uma relação reelaborada, essa sim linguagem, para lá da imagem que queira canibalizar.

A primeira imagem é mesmo a de um Narciso, a criança a descobrir-se no espelho, e curiosamente Marivaux, em a “Querela”, promove em laboratório dramático o modo como a percepção do rosto pelo próprio o leva, num segundo tempo, a ler nas expressões da pessoa que observa a sensação inelutável de algo profundamente agradável, descobrindo nas próprias imagens, para si, a consciência do que faz, levando esses movimentos da psique à própria descoberta da linguagem do amor como descoberta da própria humanidade – mas essa imagem, era a imagem pura de um tempo em que a paisagem não necessitava de ser protegida, nem a natureza de parques naturais.

Creio que a imaginação não tem ainda o seu mapeamento identificador, mas suponho que deverá estar ligada por sistemas neuronais complexos à consciência, à memória e fundamentalmente à superação do cognitivo e operacional, pelo prazer da criação das imagens como actividade específica das artes, o que se faz através de todas as formas materiais de invenção de ficções, sejam verbais, sejam presenciais e espectaculares, sejam cinéticas e acústicas.

Já que a máquina orgânica parece ter peças específicas para funções diferenciadas do cérebro e creio que esta, da imaginação, deve dar-se bem com várias, portanto ligada a um sistema de neurónios e a impulsos neuronais em rede, será que a tese de Calvino é menos catastrófica do que nos parecia há uns anos
?
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fernando mora ramos



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