quinta-feira, 30 de dezembro de 2010

Da minha janela

janela aberta



"Houve um tempo em que minha janela se abria para um terreiro, onde uma vasta mangueira alargava sua copa redonda. À sombra da árvore, numa esteira, passava quase todo o dia sentada uma mulher, cercada de crianças. E contava histórias. Eu não podia ouvir, da altura da janela; e mesmo que a ouvisse, não a entenderia, porque isso foi muito longe, num idioma difícil. Mas as crianças tinham tal expressão no rosto, a às vezes faziam com as mãos arabescos tão compreensíveis, que eu participava do auditório, imaginava os assuntos e suas peripécias e me sentia completamente feliz.

Houve um tempo em que a minha janela se abria sobre uma cidade que parecia feita de giz. Perto da janela havia um pequeno jardim seco. Era uma época de estiagem, de terra esfarelada, e o jardim parecia morto. Mas todas as manhãs vinha um pobre homem com um balde e em silêncio, ia atirando com a mão umas gotas de água sobre as plantas. Não era uma regra: era uma espécie de aspersão ritual, para que o jardim não morresse. E eu olhava para as plantas, para o homem, para as gotas de água que caíam de seus dedos magros e meu coração ficava completamente feliz.

Mas, quando falo dessas pequenas felicidades certas, que estão diante de cada janela, uns dizem que essas coisas não existem, outros que só existem diante das minhas janelas e outros, finalmente, que é preciso aprender a olhar, para poder vê-las assim
".

Cecília Meireles

sexta-feira, 24 de dezembro de 2010

Mensagem de Natal

Mensagem de Natal do Presidente da Républica (versão Última Ceia/Rui Unas)



http://www.youtube.com/watch?v=HSud4fdlyMo


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Anualmente, a cidade de Punxsutawney, na Pensilvânia (EUA), promove o Dia da Marmota.

Funciona assim: existe uma marmota, chamada Phil, que dizem que é capaz de prever o tempo. No dia 2 de fevereiro, tradicionalmente, Phil é levado para praça pública e todo mundo espera que ele saia da toca. Daí, se ele olhar para própria sombra e se assustar com ela, ele volta para o buraco – isso quer dizer que o inverno vai durar mais seis semanas. Do contrário, caso ela não veja a própria sombra, não se assuste e saia do seu buraco normalmente, a primavera está chegando.

quarta-feira, 22 de dezembro de 2010

Villon - Ballade des pendus (Gérard Philipe)



Balada dos Enforcados ou Epitáfio Para Si Mesmo

Irmãos humanos que ao redor viveis,
Não nos olheis com duro coração,
Pois se aos pobres de nós absolveis
Também a vós Deus vos dará perdão.
Aqui nos vedes presos, cinco, seis:
Quanto era cara viva que comia
Foi devorado e em pouco apodrecia.
Ficamos, cinza e pó, os ossos, sós.
Que de nossa aflição ninguém se ria,
Mas suplicai a Deus por todos nós.

Se dizemos irmãos, vós não deveis
Sentir desprezo, embora condenados
Tenhamos sido em vida. Bem sabeis:
Nem todos têm os sentidos sentados.
Desculpai-nos, que já estamos gelados,
Perante o filho da Virgem Maria.
Que seu favor não nos falte um só dia
Para livrar-nos do inimigo atroz.
Estamos mortos: que ninguém sorria,
Mas suplicai a Deus por todos nós.

A chuva nos lavou e nos desfez
E o sol nos fez negros e ressecados,
Corvos furaram nossos olhos e eis–
Nos de pêlos e cílios despojados,
Paralíticos, nunca mais parados,
Pra cá, pra lá, como o vento varia,
Ao seu talante, sem cessar, levados,
Mais bicados do que um dedal. A vós
Não ofertamos nossa confraria,
Mas suplicai a Deus por todos nós.

Meu príncipe Jesus, que a tudo vês,
Não nos entregues à soberania
Do Inferno, que só ouvimos tua voz.
Homens, aqui não cabe zombaria,
Mas suplicai a Deus por todos nós.

tradução Augusto de Campos

Chris Rea - Driving home for christmas

segunda-feira, 20 de dezembro de 2010

A Christmas Carol (1951) Movie Trailer with Alastair Sim as Scrooge








Seymour Hicks plays the title role in the first sound version of the Dickens classic about the miser who's visited by three ghosts on Christmas Eve. This British import is notable for being the only adaptation of this story with an invisible Marley's Ghost and its Expressionistic cinematography. This is the uncut 78 minute version

Brideshead Revisited Episode 1 PART 4/6





segunda-feira, 13 de dezembro de 2010

Saramago - um leitura

Viviam José e Maria num lugarejo chamado Nazaré, terra de pouco e de poucos, na região de Galileia, em casa igual a quase todas, como um cubo torto feito de tijolos e barro, pobre entre pobres. Invenções de arte arquitectónica, nenhumas, apenas a banalidade uniforme de um modelo incansavelmente repetido. Com o propósito de poupar alguma coisa nos materiais, tinham-na construído na encosta da colina, apoiada ao declive, escavado pelo lado de dentro, deste modo se criando uma parede completa, a fundeira, com a vantagem adicional de ficar facilitado o acesso à açoteia que formava o tecto. Já sabemos ser José carpinteiro de ofício, regularmente hábil no mester, porém sem talento para perfeições sempre que lhe encomendem obra de mais finura.
Estas insuficiências não deveriam escandalizar os impacientes, pois o tempo e a experiência, cada um com seu vagar, ainda não são bastantes para acrescentar, ao ponto de dar-se por isso no trabalho de todos os dias, o saber oficinal e a sensibilidade estética de um homem que mal passou dos vinte anos e vive em terra de tão escassos recursos e ainda menores necessidades.
Contudo, não se devendo medir os méritos dos homens apenas pela bitola das suas competências profissionais, convém que, apesar da sua pouca idade, é este José do mais piedoso e justo que em Nazaré se pode encontrar, exacto na sinagoga, pontual no cumprimento dos deveres, e não tendo sido a sua fortuna tanta que o tivesse dotado Deus duma facúndia capaz de o distinguir dos mortais comuns, sabe discorrer com propriedade e comentar com acerto, mormente se vem a propósito introduzir no discurso alguma imagem ou metáfora relacionadas com o seu ofício, por exemplo, a carpintaria do universo.

O Evangelho segundo Jesus Cristo, Caminho, 5ª edição, pg. 29 e 30.

sábado, 11 de dezembro de 2010

...é Natal!!! smiles christmas!



O Natal do Panda. Hoje é dia de Natal. Eu vou cantar agora com o meu amigo Panda e a sua banda.

Alice in Wonderland (1903)

theatrical version of Lewis Carroll's 1865

This exceptional theatrical version of Lewis Carroll's 1865 classic features a combination of live characters and puppets, created by master puppeteer Louis Bunin. The cast includes Carol Marsh as Alice along with Stephen Murray, Felix Aylmer, Ernest Milton, and Pamela Brown (in live sequences and as voices of the puppets). Directed by Dallas Bower, this lively and fun production includes some wonderful musical numbers that will be enjoyed by all ages.




http://www.youtube.com/watch?v=lJD3ABBCSrc&feature=fvw

quarta-feira, 8 de dezembro de 2010

É UM LIVRO!



http://www.youtube.com/watch?v=XwoW9hnB4vY&feature=related



http://www.youtube.com/watch?v=WhUNyzYzBX0&feature=related



http://www.iwanttoreadthat.com/2010/08/trailer-its-book-by-lane-smith.html

Autores

"A bleak situation becomes a powerful tale of hope through Yasmin’s passion and determination. Malaspina tells the tale in graceful, straightforward language, describing the overwhelming sounds of the city with the precision of a child’s eye. Chayka’s glowing oil paintings capture the bright colors of Dhaka and the cruelty of the brickyard where Yasmin and her sister work in the blinding sun as the boss lounges under an umbrella. Neither text nor illustrations gloss over the hardships the girls experience, but also do not dwell on them; instead, the focus remains firmly on Yasmin’s dreams and her resolve to achieve them."



http://www.annmalaspina.com/

http://www.annmalaspina.com/


http://www.dougchayka.com/editorial/

http://dougchayka.blogspot.com/

1973




tumblr_l9h8u3fqO01qc0rr2o1_500.jpg

Owl City - Fireflies



http://www.youtube.com/watch?v=psuRGfAaju4&feature=player_embedded#!

sábado, 4 de dezembro de 2010

Novas leituras

Captura de ecrã - 2010-10-18, 09.05.11.png




Entro com o meu silêncio



na sala: no lugar um silêncio enorme.



Aumento o sossego...



Ou invadi o outro, perturbei?



Por momentos, apenas.



Passei. E deixo



lentamente o silêncio da sala, dos lugares.



Porque saí só com o meu silêncio



o outro ficou lá intacto.

Zilda Cardoso







Sites e Blogs a Acompanhar
http://a-ultima-sessao.blogspot.com/

http://ageofasia.blogspot.com/

http://apimentario.blogspot.com/

http://aprivadacult.blogspot.com/

http://arrastao.org/

http://azuisultramarinos.blogspot.com/

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http://deixatedefilmespa.blogspot.com/

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http://pauloborges.bloguepessoal.com/

http://pipocamoderna.virgula.uol.com.br/

http://premiere-portugal.blogspot.com/

http://theplaylist.blogspot.com/

http://viasfacto.blogspot.com/

http://vivereafinaroinstrumento.blogspot.com/

http://www.accesshollywood.com/

http://www.blogdecinema.com/

http://www.cinemaemcena.com.br/

http://www.comingsoon.net/

http://www.fareastfilms.com/

http://www.filmsite.org/

http://www.hancinema.net/

http://www.interney.net/blogs/alexprimo/

http://www.koreatimes.co.kr/www/news/art/art_list.asp?categoryCode=141

http://www.oldschoolreviews.com/

www.omelete.com.br/

quinta-feira, 2 de dezembro de 2010

Generosidade (...)

Por Baptista-Bastos

"E, DE REPENTE, abriu-se o caminho de uma vida generosa. O português com extremas dificuldades veio socorrer o português com fome. A grande força espiritual que se move nas horas de desespero, e parecia ameaçada de inanidade, irrompeu no último fim-de-semana. Uma ruptura surda com a indiferença, uma explosão de solidariedade, a contrariar os sinais do tempo e a cupidez que nos tem sido inculcada. As toneladas de comida entregues ao Banco Alimentar podem não constituir a fulguração de uma felicidade perpétua, mas representam sentimentos que rasgam os silêncios de uma sociedade cercada.

A ideologia dominante, que estimula o individualismo, a insensibilidade social e a neutralidade cívica, não sai derrotada desta acção, nem esta experiência de generosidade resolve o drama português. Se a boa vontade não é esclarecida, e os limites do amparo não forem definidos pela política, o balanço da iniciativa apenas momentaneamente é positivo.

O sistema de ganância, de dissolução de valores, destruiu os laços relacionais formativos dos povos e das instituições. É necessário não só renunciar mas, sobretudo, combater esta doutrina que não concilia o respeito mútuo com a dimensão e as exigências civilizacionais. As nossas heranças só serão desiguais quando desinvestimos no carácter humanista da condição a que pertencemos. As decepções e as insatisfações permanentes talvez justifiquem algumas das nossas debilidades morais, como a indiferença ante o sofrimento dos outros. Mas não podem nunca caucionar a duplicidade dos nossos comportamentos nem a capitulação das nossas batalhas.



NO MOMENTO - O Miguel Sousa Tavares fez publicar, na gazeta semanal onde costuma deixar as escorrências a que chama artigos, um texto sobre a greve, cujo teor me abstenho de qualificar. A meio, insere um comentário, pretendidamente espirituoso, à minha crónica da última quarta-feira. Não lhe acerta uma. Deseja, apenas, fazer chicana. E demonstra uma impiedosa crueldade para quem gosta de prosa escorreita e asseada: não consegue escrever com tino, brio e gramática. Aquilo é um emaranhado de disparates, de espinoteantes tolejos, e apenas traduz a conjunção do que de mais retrógrado existe na sociedade. Ele é o xamã dessa tendência. Como só o leio quando se me refere, obriga-me, nessas funestas ocasiões, ao penoso exercício de tentar perceber o que quer dizer. Saí da árdua leitura em estado de exaustão. Sobre manifestar uma atroz inimizade com a língua portuguesa, o pobre homem é desprovido do mais escasso pingo de humor. E não é difícil descortinar, no seu carácter amolgado, sinais de ressentimento, de rancor e de despeito. É só. Mas acaso seja necessário, voltarei a tão encantador assunto..."

.
«DN» de 1 Dez 10

via
http://sorumbatico-longos.blogspot.com/

outras leituras
http://humorantigo.blogspot.com/


http://carmoeatrindade.blogspot.com/


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sábado, 20 de novembro de 2010

NA SUA PRÓPRIA IMORTAL MEMÓRIA

"A nossa melhor atenção é a amorosa. Talvez por isso ninguém ensine tão bem quanto o Amor. Aprende-se de cor como alguém gosta da gema do ovo estrelado. Filho. Marido. Tanto faz, fazemos. Para molhar o pão? Redigo-me. Insisto: de cor significa com o coração. Aprende-se de cor a gema ou os cinco adjectivos para um substantivo, de Eça de Queiroz, dois antes três depois, o pulso nas vírgulas estendidas, bem respiradas, o comprimento do parágrafo desde o ponto de partida, e lá vamos nós, adiante, prosseguimos sem dúvidas, deriva, perdemo-nos completamente, retorno, voltámos sem saber como, conclusão, agarrados: a descrição, nós pela mão, até nos entrar pela retina o que ele via para que nós víssemos. Ou o silêncio com o mundo dentro na grande quietude de Hammershoi. Do calor do corpo, morno de aquecido à exacta temperatura do sono, tão tenra, aprendemos a sensualidade com a Danae de Klimt. Da paixão, technicolor mesmo a preto e branco de sombra, sabemos o que a saber há nos filmes que João Bénard escreveu. Ou será da fantasia? A botânica escondida na corola. Eu própria ainda não descobri, talvez não a ame bem, se a música vem de Bach ou do perigoso ritmo de cobra lenta de Dylan Thomas. Todo o conhecimento é uma forma de apropriação a partir de uma raiz de desejo. Talvez por isso uma boca se possa comer de beijos. Redigo-me: amar é conhecer. Do fundo escuro onde diariamente nos regeneramos ao tecto do céu, conhecer: filho marido texto tela flor imagem som beijo. Conhecer.
Assim, quero dizer, direi: Murasaki Shikibu.
Tudo começa num dia, desconhecido. Tudo começa em 978. Tudo começa no nome: Murasaki. Uns dizem: nome da heroína do romance que escreveu, a amada de Genji, e tornado nome da autora que a concebeu e se recriou e baptizou pela verdade da ficção. Outros dizem: a mãe, tão encantada pela filha acabada de nascer, roubou a um poema o seu nome — a este poema que traduzo muito livremente: quando a violeta está tomada de toda a sua cor, mal notamos as outras flores no campo. Murasaki: criadora do romance, heroína de romance, violeta em flor, raiz de violeta e símbolo da constância, gradação do lilás ao roxo. Como preferir. Todos. Shikibu: tão somente o título de um dos postos que o seu pai ocupou.
Murasaki Shikibu faz parte da história porque inaugurou um estilo literário: o romance. Ninguém antes dela. Ninguém se tinha lembrado de escrever sobre o que vivia. Como vivia: arroz, peixe cozido; um poema-bilhete no leque e um encontro nocturno; a disposição do jardim; a beleza do rosto de uma amiga em flor, adormecida; a cor da seda, a textura do linho; a luz nas grinaldas; as migrações dos pássaros; a frutificação nas copas, o aroma. As relações que se mantinham, os sonhos, os equívocos, as alegrias. A análise do desejo, a origem da felicidade. Uma sucessão de acontecimentos numa linha de tempo que levasse os personagens da vida à reflexão sobre vida, e até morte e à reflexão sobre a morte. Antes dela, ninguém se tinha lembrado. Depois todos. Fê-lo nos primeiros dias do século xi e chamou-lhe Genji Monogatori. A História de Genji. E tão bem feitamente o fez que continuamos a ler hoje, dez séculos depois, de gosto, as aventuras desse Príncipe Brilhante, ao longo de mais de cinquenta anos, em mais de mil páginas. Tantas personagens em 54 capítulos, tantas que desejamos mapeamentos, uma toponímia de relações, e têmo-los. Genealogia de várias folhas: uma árvore para os jogos de nomes e atributos que os substituem. Tantas personagens e nenhuma se lhe escapa por um buraco da teia. Nem o tempo que a faz imensa teia se escapa. Nem o modo no tempo que a faz teia-espelho no reflexo dos fios tecidos. Nem o pensamento que se faz facetado até à poesia como no diálogo junto ao lago, suma de vida. Teia. Olho de Proust. É verdade. Não sei japonês, porém traduzo Murasaki Shikibu por Olho de Proust: não foi Shakespeare o pai do romance psicológico parido pela sua dramaturgia. Sequer da dinâmica relacional. Nem foi Freud que desvelou, do amor, a busca do primeiro rosto. Se foi em Don Juan que?.. Foi com ela. Murasaki Shikibu. Se fosse só isto, teria sido muito. Mais. Blogger. Sim. Ainda que a este género não o tenha inventado, fez um extraordinário blog. Outro nome para o seu registo de memórias, de costumes e de reflexões pessoais de rotação e translação anotadas: a natureza humana. E mais a flora, a fauna, a civilização. Rotação e translação, em volta do eu em volta dos outros, anotadas. Diário. É por ele que sabemos até onde foi rarefeito o cerimonial, a etiqueta, o sentido de estética na corte, um detalhe: quando uma mulher se vestia, reproduzia nos trajes, camada sobre camada de seda, a flutuação da luz ao longo do dia, ou ao longo da estação, ou a floração da árvore. Ela contou de uma sobreposição de vestidos na coloração do narciso, os rosados todos abertos para a brancura na oscilação do corpo até que quem o usava, era o movimento da flor, se a brisa. Uma flor em movimento, disse. É neste excesso de estilização, primeiro degrau do declínio da estética pela opulência, da arte pelo simulacro artístico, da tradição pelo costume, da política pela sinecura, que aponta o advento do que virá contê-lo militarmente: daimios, shoguns e seus samurais nas patas do feudalismo a caminho – galope do por vir. Eram tão exactas as suas descrições que a sua palavra era toda inteira e verdadeira, e quando dizia belo, a beleza estava na sílaba escolhida e era acreditada pelo ouvido. É por ele que sabemos que amava o marido de quem era viúva, apenas uma das esposas, de quem tinha uma filha, também ela poeta um dia. Tempos de felicidade os do curtíssimo casamento. Não tinha dito ainda que este Japão era polígamo? Já conto então. Mais adiante. Porque tudo isto foi depois, entre 1007–1010, quando ficámos a saber que nascer era muitas vezes morrer, pela alegria do filho e pela da recuperação de Akiko, de quem era dama de companhia. Ou ainda está em choque da feliz poligamia? Não fique, é só outro paradigma. Afinal até os chineses chamavam a este Japão, Terra de Rainha ou País de Rainha pelos costumes liberais das mulheres: educação, casa própria, tomar amantes que poderiam ser de uma só noite, muitas, casar com eles, omiti-los ou apresentá-los à família, rejeitar pretendes, herdar. Sim, disse este. O do Período Heian que quer dizer, o que teve como capital a Cidade da Paz. O que sucedeu ao Nara e precedeu o que havia de mudar tudo. Este Japão, o da capital mudada de Nara para hoje Kioto, renomeada Heian-kjo, jo, Heian — os Períodos ou Eras assumem o nome das capitais, ou melhor, das sedes de governo. É uma lógica facilitadora. Heian — 794‑1185: enquanto a Europa, nocturna, apodrecidas as grécias, se atolava na barbárie do tempo escuro das sementes, ao sol nascido, a oriente, a sedução conversava em sílabas métricas com naturalidade do verso livre num jogo rápido de respostas. Não, nem tudo eram rosas, se mesmo ainda há pouco falei da mortalidade neonatal. Mais a peste, fogos sucessivos nas cidades erguidas em madeira e construções contíguas, salteadores, más estradas, corrupção política, burocratização do estado. Todavia arte. Todavia estudo. Todavia cultura. Um arco de trezentos anos que assinala o extremo alto do poder do clã Fujiwara, vindo desde antes, vindo dos primeiros dos dias xintoístas e até à sua decadência. Não tinha dito ainda que Murasaki Shikibu era de um ramo estreito, pequena nobreza sem visibilidade, do tronco largo deste clã? Que o seu pai, poeta e académico feito governador de províncias menores era longemente aparentado do Primeiro Ministro do Imperador Ichijo? Prefere Regente a Primeiro Ministro? Sequer que Murasaki estava ao serviço da segunda das mulheres do Imperador? Ai disse disse, do blog e de Akiko e do seu bebé! Mas antes disto tudo há que repassar na cronologia: o estudo, a poesia, o casamento, a viuvez, a invenção de um género literário, a corte, a expansão do romance, o sucesso, o estudo, as aulas escondidas à imperatriz, o diário, a poesia. Em português, ela gostaria assim, sem margens contadas, um verso subido? Não me apetecia brincar com os bichinhos de conta e o verso ascendeu.
UMA CARTA ESQUECIDA
Quem a lerá?
Quem, neste mundo,
viverá para sempre?
Uma carta esquecida
na sua própria imortal memória.
E depois o silêncio. Depois da morte do imperador Ichijo, Akiko retira-se. A corte com ela. E Murasaki. Um grande silêncio. Mas antes. A educação de uma mulher nobre, de cultura, consistia da aprendizagem da escrita, música e na leitura dos vinte volumes de Kokinshu: poemas lidos, poemas sabidos, usados na banal, nada banal, conversação. Imensa obra. Quem o diz é uma mulher de cultura: Sei Shonagon, autora do maravilhoso Makura no Soshi – o Livro de Cabeceira. Poeta. E fulgor na corte de Sadako. Sadako?! Eu não disse que o imperador tinha duas mulheres? Sadako era a primeira, filha de mais um Fujiwara, filha de mais um Primeiro Ministro Fujiwara, morto, a mais velha, a mais poderosa. Akiko, mais nova, apaixonada, dizem. Ninguém iluminava a corte de Akiko. Ano após ano, Sei Shonagon fazia a luz brilhar sobre os telhados de Kokiden, casa de Sadako e da sua corte, no palácio. E a sombra sobre Fujitsubu, casa de Akiko e da sua corte, no palácio. Foi essa sombra que Murasaki interrompeu de claridade. Por isso a apontam como rival de Shonagon. E talvez tenha sido, é provável que sim. Mas Shonagon não foi sua rival. Não tinha par, jamais teve, do bom gosto à erudição. Tinha, sim, consciência do reverso da sua imparidade: a solidão, uma tristeza sem melancolia da incompreensão, que compreendia tão bem: contou, justificando, da estreiteza que fechava a visão periférica. Compreendia. Fazia escolhas de cuidado e sensibilidade, preferia omitir o quanto sabia, e sabia, por valorizar apreço e aprovação; para se sentir, senão entre iguais, pelo menos, aparentemente, consonante. E sonhava um interlocutor*. Não o tinha entre as mulheres, e os homens viviam do outro lado dos biombos transportados para todo o lado, e em todo o lado biombos, separando o espaço em macho e fêmea, erotizando fortemente os mundos masculino e feminino, unidos caída a noite, separados antes de amanhecer, suspirados entre as horas livres do dia. Tinha-o sonhado antes, sempre. Porque tivera uma educação também masculina, dominava o código masculino do pensamento mais erudito: a língua e cultura clássica chinesas — é preciso perceber esta China como ainda muito mais referente do que a nossa França Cultural até aos Baby Boomers, e ao Budismo como ao nosso Catolicismo, o xintoísmo só regressou depois. E porque nesta educação se revelara brilhante, mesmo nos seus elementos mais complexos. Porque a isto juntara o livre estudo dos Sutras. E o da produção literária feminina, exclusivamente em língua japonesa, e exclusivamente da vida da mulher, se do homem, mais objectificado, mais de carga sexual e romântica. As mulheres eram educadas pela mãe. Na casa da mãe. Ou pela família da mãe. Os esposos não partilhavam da mesma casa. O homem visitava a mulher. Ela recebia-o. Mas Murasaki foi educada pelo pai. Em casa do pai. Imersa no ambiente e família paternas. Por junto com o seu irmão a quem excedia em tudo. É conhecido o lamento do seu pai, o desejo de que esta filha tão dotada fosse homem. Ou, ao menos, que o filho se lhe comparasse. Ímpar. Casou tarde. Com outro Fujiwara, claro. Não era um bom partido, o pai não era rico, era erudito. E a filha falava chinês. Pior: lia e escrevia em chinês com mais elegância do que um homem. A poesia que escrevia, apesar de cumprir todas as regras, ia além. Fazia incensos de rara subtileza. Ainda por cima, além da sofisticação, carácter, beleza. Casou tarde. Foi muito feliz no curto casamento que teve. Já tinha dito, eu sei: gosto de repetir a felicidade. Depois de viúva, começou a escrever o texto que haveria de criar a estrutura do que chamamos romance, a matéria escritiva que o compõe, o conteúdo que o actualiza. E ainda a corte de Akiko à sombra estendida pela solaridade de Shonagon. Por pouco tempo mais. Outro Fujiwara, outro Primeiro Ministro, ouvira desta sua parente. Mandou-a chamar. Ela foi. O resto é a história que já contei.




* No blog MÁTRIA MINHA, um lugar que tive, fiz uma série de 35 textos pequeninos, THE LOST ART OF CONVERSATION: as regras que Murasaki Shikibu não escreveu para as fotografias de Nobuyoshi Araki, uma das coisas que mais gostei de escrever até hoje, sobre isto, ou melhor, a partir disto. E Listas para a Sei Shonagon que as gostava com a mesma lógica interseccionista que eu."

Ps:
a) não há acordo nas datas. Um ano a mais, dois a menos. Foram cinco os que passou retirada após a viuvez? Foram dois?
b) Ichijo, Ichijio, Ichijiô..
c) Teishi/Sadako e Soshi/Akiko eram primas irmãs.
d) há uma lenda: a Imperatriz terá pedido a Murasaki que escrevesse. Ela retira-se para um mosteiro budista e numa noite de luar de Agosto, tem uma visão, começa a escrever a Genji Monogatori. É bonito. Não aconteceu.

Eugénia de Vasconcelos

http://www.etudogentemorta.com/



genji.bmp



“In a certain reign there was a lady not of the first rank whom the emperor loved more than any of the others. ”


"Havia num certo reino uma senhora de primeira ordem que o imperador amava mais do que qualquer um dos outros. "


http://webworld.unesco.org/genji/en/part_1/1-1.shtml




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http://conticasosnext.blogspot.com/


http://www.conticasos.blogspot.com/

terça-feira, 16 de novembro de 2010

Valsinha



VALSINHA

Um dia ele chegou tão diferente do seu jeito de sempre chegar
Olhou-a dum jeito muito mais quente do que sempre costumava olhar
E não maldisse a vida tanto quanto era seu jeito de sempre falar
E nem deixou-a só num canto, pra seu grande espanto convidou-a pra rodar

Então ela se fez bonita como há muito tempo não queria ousar
Com seu vestido decotado cheirando a guardado de tanto esperar
Depois os dois deram-se os braços como há muito tempo não se usava dar
E cheios de ternura e graça foram para a praça e começaram a se abraçar

E ali dançaram tanta dança que a vizinhança toda despertou
E foi tanta felicidade que toda a cidade enfim se iluminou
E foram tantos beijos loucos
Tantos gritos roucos como não se ouvia mais
Que o mundo compreendeu
E o dia amanheceu
Em paz

We All Want to Be Young

We All Want to Be Young (leg) from box1824 on Vimeo.

terça-feira, 9 de novembro de 2010

Animação




http://animatie.blog.nl/kortfilm/2010/11/06/hafftube-2010-silver-junkie-maria-gitte-le-bruyn

Dry The River - Bible Belt

http://www.youtube.com/watchlistentell#p/u/22/wvMfbfZKVbY



http://www.youtube.com/watchlistentell#p/u/4/J4EoNZQ0reI

Design

This is the opening created for the 2010 Advertising and Design Club of Canada (ADCC) Awards. The film taps into an insight we think every creative feels - love for the business when things are going well, and hate, when things aren't. Client: ADCC Product:...

Hate/Love from CRUSH on Vimeo.

Tom Waits & Iggy Pop - Coffee and Cigarettes



http://www.youtube.com/watch?v=K6Mw6b1T50U&feature=related
para ter som, acrescentat

ADD: &fmt=18 e clica em enter

Cigarettes and Coffee

Cigarettes and Coffee
Cristi Puiu
Golden Bear, Best Short Film - Berlin Film Festival, 2004




http://www.youtube.com/watch?v=dBkHOuz8DAQ&feature=related

segunda-feira, 8 de novembro de 2010

Sia - Bata Palmas



Arcade Fire

Line Invaders_realidade aumentada à escala urbana

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Espectáculo multimédia interactivo com realidade aumentada à escala urbana instalado na praça central da cidade de Torres Vedras. Um sistema audiovisual de realidade aumentada dá corpo à comemoração do maior engenho defensivo activo da história da Europa, as linhas de Torres Vedras.

Envolvendo o obelisco da praça 25 de abril (monumento às vítimas da guerra peninsular), são criados quatro palcos de guerra jogáveis em tempo real por mais de meia centena de pessoas.

via
http://designportugues.blogs.sapo.pt/

HOTEL BABILÓNIA - Magazine Antena 1 - Multimédia RTP

HOTEL BABILÓNIA - Magazine Antena 1 - Multimédia RTP


HOTEL BABILÓNIA Pedro Rolo Duarte e João Gobern - Magazine

domingo, 7 de novembro de 2010

Baby You're a Rich Man - The Beatles


http://www.youtube.com/watch?v=fVtHztdkrnU&feature=player_embedded




http://www.youtube.com/watch?v=2knzLgNsJG8



A ler, da New Yorker:


http://www.newyorker.com/reporting/2010/09/20/100920fa_fact_vargas?currentPage=all


The Social Network Scala & Kolacny Brothers - Creep



http://www.youtube.com/watch?v=OmPC91OoOf4&feature=related

"A idiotice é vital para a felicidade"






"A idiotice é vital para a felicidade.

Pessoas chatas são as que querem ser sempre sisudas, profundas e viscerais. A vida já é um caos, então porque querermos torná-la num tratado cheio de regras? O ideal é ser-se sisudo nos momentos inevitáveis: mortes, separações, dores e afins.

No dia-a-dia, pelo amor de Deus, seja idiota! Ria-se dos seus próprios defeitos. E de quem acha que os tem. Ignore o que o estúpido do seu chefe lhe disse. Pense assim: quem tem que andar com aquela cara tão feia, todos os dias, inseparavelmente, é ele.

Milhares de casamentos acabaram não pela falta de amor, dinheiro, sexo, química, mas pura e simplesmente pela falta de idiotice.

Quem lhe disse que é bom partilharmos a vida com alguém que tem conselhos para tudo, soluções sensatas, mas que não se consegue rir quando tropeça?

Alguém que sabe resolver uma crise familiar, mas que não tem a menor ideia de como preencher as horas livres de um fim de semana?

É muito vulgar haver pessoas que se sentem perdidas quando se acabam os problemas.

Desaprenderam de como se brinca. Brincar é bom. Ouviu bem?

Esqueça os que lhe falaram sobre o que é ser-se adulto, ou seja ter maneiras à mesa, não se dizer asneiras, não se ser imaturo, não chorar, não andar descalço à chuva.

Os adultos podem (e devem) contar anedotas, passear nos parques, rirem alto e lamberem as tampas dos iogurtes.

Ser adulto não é perder os prazeres da vida - e esse é o único "senão" realmente aceitável.

Teste a teoria. Uma semaninha, para começar.

Veja e sinta as coisas como se elas fossem o que realmente são: passageiras. Acorde de manhã e decida fazer uma de duas coisas: ficar de mau humor ou sorrir...

O que é verdadeiramente bom é ter-se problemas na nossa cabeça, sorrisos na boca e paz nos nossos corações!

A vida é uma peça de teatro que não permite ensaios. Por isso cante, chore, dance e viva intensamente antes que caia o pano!"



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"... No dia-a-dia, pelo amor de Deus, seja idiota! Ria-se dos seus próprios defeitos. Ignore o que o estúpido do seu chefe lhe disse. Pense assim: quem tem que andar com aquela cara tão feia, todos os dias, inseparavelmente, é ele. E sinta as coisas como realmente são, isto é, passageiras."

Vicente Mais Ou Menos De Souza

http://vdeguaratiba.blogspot.com/

sábado, 6 de novembro de 2010

Tornar ao estado de graça



O homem do Renascimento

"Pediram-me para falar do Homem do Renascimento. É um assunto enorme, se pensarmos que houve distintos Renascimentos e vários Homens Renascentistas gigantescos na história da cultura ocidental. E se pensarmos também no homem de qualquer renascimento.
O que posso dizer é que prefiro, preferimos agora na Europa, um renascimento inteiramente novo, depois de mais uma idade média que não acaba de passar. Porém, é desejável que, ao menos na política (ou talvez deva ser em tudo menos na política), surja um génio capar de resolver os problemas particularmente difíceis que inventámos e temos neste momento para despachar.
Podemos considerar que, se o homem não é o centro do Universo, é pelo menos o centro do que lhe interessa conhecer. Daremos relevo ao homem do renascimento nesse sentido.
E não queremos um homem, mas o homem.
Que seja o que acredita na própria inteligência e capacidade para resolver os problemas que surgem num campo do saber. Ou em vários. Depois de delimitar os saberes.
Todos conhecem o modelo que foi Leonardo da Vinci, génio pintor, génio escultor, génio engenheiro, génio inventor… Não sei se sabia muito de política ou se queria saber, calculo que se quisesse saberia porque se empenhava, investigava seriamente. Reflectia e discernia. Planeava e experimentava. É fácil supor que fazia um BOM orçamento. Até que pegava nos instrumentos e no material e realizava a obra, com perspectiva.
No que nos diz respeito, a nós portugueses, não queremos saber de mulheres e de homens apreensivos ansiosos inquietos a respeito de tantos temas de grande importância para todos nós. Comovem-nos. Mas não é disso que carecemos. Disso, dos comentadores medievais. Não era o que os tais faziam? Comentavam o comentário do comentário do comentário, sem fim. Sem outro fim. Apesar da sua erudição, nunca chegavam a conclusões que interessassem o comum dos mortais. No quotidiano do mundo.
Estamos a ver isso de novo, e não queremos. Sinto-me a viver a mesma Idade dos comentadores mais ou menos subtis. O pior é que este género de coisas tende a prolongar-se indefinidamente. Da outra vez, durou onze séculos. Vamos ainda neste tempo obstinar-nos no prolongamento da nossa alma medieval?
Mas não são apenas os comentadores e o seu fervor o que nos apoquenta. São as disputas, a argumentação dos políticos nos parlamentos, dos que aprenderam com as disputas a argumentar. É que possivelmente foram quem ditou os textos sábios, e não acertam os seus discursos com a realidade em que vivemos.
O que queremos é saber de que modo podemos intervir para resolver, tal como faziam os do Renascimento munidos de novo espírito empreendedor e científico.
As mulheres e os homens novos estão aqui. Estiveram sempre aqui.
Vamos entrar agora não de roldão. Mas com ideias e projectos inteligentes e vontade de os realizar sensata e seriamente. Já."
via
http://zildacardoso.blogs.sapo.pt/

quinta-feira, 4 de novembro de 2010

Fonte das 25 bicas - Levadas (Madeira)







As “levadas” são cursos de água à volta das montanhas, construídos pelo Homem nos primórdios da colonização, para levar água aos terrenos agrícolas inacessíveis. Hoje em dia constituem um dos maiores atractivos turísticos da Madeira.

sábado, 30 de outubro de 2010

http://www.lusa.pt/lusaweb/

Manuel Gusmão

HAVIA SÉCULOS

Havia séculos
e eram florestas sobre florestas escritas.
O canto cantava: era o incêndio do vento
folheando a memória da terra
essa maranha de raízes aéreas que nasciam enterrando
mais fundo as árvores anteriores;
essa teia nocturna de troncos e lianas, de ramos e folhas,
nervuras que os versos enervam irrespiráveis;
esse mapa em relevo lavrado pela paciência da luz
que atrasando-se recorta
estas estranhas esculturas do tempo:
os poemas selvagens
o máximo excesso de uma rosa aquática e frágil
sempre a nascer desfiladeiros
e falésias, fendas, quebradas, ravinas
vulcões que deflagram em écrans sucessivos
Havia séculos
e o cinema dos astros
acendia ampolas e bagas, campânulas, cápsulas, lâmpadas;
punha em música a infinita noite dos versos que longamente
escutam
aqueles que muito antes ou muito depois vieram ou virão
até estes anfiteatros que os desertos invadem.
Havia séculos
e / atravessando as ruínas dessa terra quente, as páginas
de água dessa rosa alucinada / havia esse:
o comum de nós que dos seus se dividindo, verso
a verso, procura ainda alguém. E assim
era de novo o início.
A grande migração das imagens — havia séculos —
desde há muito começara, desde sempre, já.
E sem cessar migrávamos nós, inquietos e perdidos
sem paz e sem lei, sem amos nem destino.



(Migrações do Fogo, Editorial Caminho, Lisboa, 2004)

A TERCEIRA MÃO DE CARLOS DE OLIVEIRA

Manuel Gusmão

A TERCEIRA MÃO DE CARLOS DE OLIVEIRA


I

A primeira mão escreve com o tempo e contra
o tempo
a segunda reescreve o passado com o futuro e
por todo
o lado instaura o presente do fim
depois a terceira mão vem e escova
e constela os tempos

II

A primeira monta um cenário nocturno à espera
da noite que virá. A segunda traz a esse cenário
a noite glaciar. A terceira sobrepõe as noites
e revela o seu povoamento
comum: luz eléctrica, papel intensificado,
uma teoria da escrita, desolação.

III

Uma segreda e comove-se
no espelho tempestuoso. Outra seca
o saco lacrimal e deduz de si mesmo o movimento
que faz a emoção: A terceira contribui
com o espelho das metamorfoses, a câmara
que filma a dedução
[e enlouquece numa só letra.


[in A Terceira Mão, Caminho, 2008]

Manuel Gusmão

manuel gusmão - teatros do tempo

inverno

a fotografia olha devagar o fotógrafo e diz-lhe:
« de mim a ti o mundo é a chuva e o vento,
por trás de mim o mar é branco e as ondas longe
são o branco do branco.vejo nos teus olhos cegos
a estrada quasa submersa, os faróis de nevoeiro.
Mas nunca ouvi falar do verão.Deve haver algum engano.»


Leitura

http://angnovus.wordpress.com/2010/04/07/inquerito-sobre-a-coca-cola-manuel-gusmao/


Manuel Gusmão

Bibliografia

Ensaio e Antologia
A Poesia de Carlos de Oliveira (1981)
A Poesia de Alberto Caeiro (1986)

Poesia
Dois Sois, A Rosa - A Arquitectura do Mundo (1990/2001)
Mapas: o Assombro e a Sombra (1996)
Teatros do Tempo (1994-2000) (2001)
Os Dias Levantados (2002) (libreto para ópera de António Pinho Vargas)
Migrações do Fogo (2004)
Mapas o Assombro a Sombra (2005)
A Terceira Mão (2008)
via
http://poemas-poestas.blogspot.com/2008/05/manuel-gusmo_20.html

quinta-feira, 28 de outubro de 2010

“Os pés de Rudolf Nureyev”


"Foi uma alegria quando o sexto esquerdo do prédio dos meus pais foi comprado. Finalmente, o último apartamento seria ocupado. Acabava, assim, o corrupio de potenciais compradores, gente que entrava e saia, examinando cada recanto, mexendo em tudo, olhando-nos, seus potenciais vizinhos, com a mesma frieza com que olhavam os mármores da entrada e os alumínios dos caixilhos. O prédio seria, por fim, poupado ao embaraço desses estranhos que pareciam fazer troça do nosso lar. Podia repousar na tranquila alegria de uma família completa. Logo se soube que o apartamento fora comprado por um casal de professores aposentados. Tinham apenas um filho que acabara há pouco tempo o curso de medicina. As características do novo agregado familiar agradaram a toda a gente. Num prédio de funcionários públicos, donas de casa, militares de pequena patente, retornados, um casal de professores proporcionava a decência escolástica que o exercício do professorado ainda gozava naquele tempo. Um jovem médico exerceria, por outro lado, uma boa influência nos miúdos que cresciam naquele bairro dos arrabaldes de Lisboa. Feita a mudança, o casal instalou-se. Os professores aposentados eram muito educados. Nunca estacionavam o carro no lugar dos vizinhos e traziam o patim da escada impecavelmente limpo. Já o filho, o jovem médico, logo na sua primeira aparição, provocou nos habitantes do prédio um desconforto miudinho. Era uma sensação estranha que não sabiam explicar. Parecia um bicho cocegando a pele.

Esguio, seco como um ramo, de rosto pálido e comprido, o rapaz fazia lembrar um louva-a-deus. Tinha lábios finos, hirtos, tensos. Os olhos, cinzentos, muitos claros, eram bonitos, quase transparentes, de vidro, como se neles nos pudéssemos assomar para lhe espreitar o avesso. Vestia-se com uma certa informalidade moderna que muitos vizinhos confundiam com desmazelo. Usava o cabelo pelos ombros e trazia sempre uma mala a tiracolo. Movia-se com discrição. Em silêncio. Parecia procurar as sombras para que ninguém o visse. O jovem médico, andrógino, ligeiramente extravagante, tão silencioso, foi olhado com desconfiança. Um dia tudo se esclareceu: o rapaz afinal não era só médico. Também era bailarino. Fazia parte de uma companhia de dança clássica. Foi um desassossego. Os habitantes inquietaram-se. Um bailarino, ainda que médico, não era uma influência saudável na juventude do prédio. Os rapazes mais velhos andavam quase todos na Afonso Domingos. Tinham o destino traçado. Era um futuro de sucesso e virilidade que os esperava. Seriam engenheiros mecânicos, engenheiros civis, engenheiros químicos, engenheiros electrotécnicos. Se algum, mais sensível, não se sentisse atraído pelo funcional mundo da engenharia, poderia ser sempre arquitecto. Um bailarino destoava daquele quotidiano de fundações sólidas e inabaláveis.

Eu, pelo contrário, quando soube da notícia, fiquei encantada. O meu mundo, circunscrito ao prédio, ao centro comercial do bairro e ao externato, não tinha bailarinos, nem cantores, nem pintores, dispensava a poesia e a imaginação. As pessoas que conhecia, coitadas, eram tão concretas! Por essa altura, influenciada pelo comunismo da minha tia, vibrava com as vitórias das ginastas russas, apreciava genuinamente os desenhos animados checoslovacos. Gostava, sobretudo, de me encostar no corpo da tia Dé, para assistirmos aos programas de televisão que glorificavam o socialismo soviético. Foi neste contexto, embalada nos braços de fêmea da minha tia, que, num documentário sobre a vida do bailarino russo, descobri os pés do Rudolf Nuriyev. Como boa aprendiza, não me interessei pela história da fuga. Queria lá eu saber por que é que o bailarino fugira da pátria amada e se enfiara no covil mais sujo do mundo! O que me impressionou, e para sempre se gravou na minha memória, foi a imagem dos seus pés. Eram uns pés monstruosos, feiíssimos, calejados, totalmente deformados pelas longas horas de treino em pontas. Com as suas calosidades, os seus ossos corcundas, os metatarsos deslocados, as falanges e falangetas libertas da sua posição inicial, soltas numa amálgama de tecidos moles, eram uma imagem impressionante de sofrimento e perseverança. Mostravam também que a beleza pode nascer da feiura. Aqueles pés equídeos eram os mesmo que sustentavam o corpo esguio do bailarino e o fazia voar pelo palco, com uma leveza de pássaro alado.

Foi então que pensei: se o tal Rodolfo Nuriyev, que era bailarino, tinha pés deformados, também o meu vizinho bailarino os teria. Era um silogismo simples que permitia conclusões irrefutáveis. Os pés do jovem médico tornaram-se numa obsessão. Precisava de os ver! Quando subia com o jovem médico no elevador, a primeira coisa que fazia era olhar para baixo. Porém, ele trazia sempre os pés enfiados numas alpercatas vermelhas. Eu bem tentava perceber, através da lona áspera, a forma dos seus pés. Mas nada. Nem um joanete, nem um aleijão, nem uma curva duvidosa se mostrava para me sossegar a curiosidade. Estava quase a perder a esperança quando finalmente lhe pude ver os pés. Certa manhã, saindo do prédio com a minha mãe, percebi que o jovem médico subia a rua em sentido contrário. Os pés vinham livres, enfiados nuns chinelos. Antecipei, com deleite, as sensações de surpresa e horror que iria experimentar. Apressei o passo. Quando nos cruzámos, enquanto a minha mãe cumprimentava o jovem médico, olhei-lhe para os pés. Tive uma desilusão profunda. Devo ter soltado um grito pequenino. Para meu desgosto, eram uns pés grandes, normais, de dedos longos, sem qualquer interesse, nem um calinho se topava naquela pele macia, naqueles pés de deus grego. A normalidade daqueles pés pareceu-me grotesca. Não fora a minha mãe puxar-me pela mão e teria invertido o sentido da marcha para os observar com mais atenção, para me indignar com a sua banalidade.

O tempo passou. Apesar de mal se dar por ele, continuava a procurar as sombras, o jovem médico passou a ser o exemplo de um mundo de certa bizarria que não era o nosso. Uma manhã, estando na sala a ler, escutei na cozinha, a voz da minha mãe e da minha tia. Falavam em murmúrios. Calaram-se quando entrei. Percebi que era do jovem médico que falavam. Se calhar, pensei eu, também elas haviam reparado nos seus pés normais! Afinal, a tia Dé vira na televisão o documentário sobre o tal bailarino russo! Ela sabia que os bailarinos não tinham pés macios, normais, bonitos! Até que, certo dia, percebi que só eu vivia angustiada com a normalidade dos pés do jovem médico. Estava perto do elevador. Esperava que a minha mãe chegasse com o correio para subirmos, quando, vinda da escuridão fresca da garagem, surgiu uma mulher. Olhei-a de alto a baixo. Trazia o cabelo apanhado com muitos ganchos. Não era bonita, nem feia. Nem gorda, nem magra. Nem alta, nem magra. Era apenas uma mulher. O rosto pareceu-me vagamente familiar. Subiu connosco no elevador. Usava um vestido pingão às cornucópias, que parecia escorrer-lhe do corpo, escondendo formas e saliências. Calçava sandálias de couro e, por isso, pude ver-lhe os pés. Depressa percebi que conhecia aqueles pés. Por tudo aquilo que não eram, de tão normais e banais, aqueles pés tinham ficado gravados num canto qualquer da minha memória. Eram os pés do jovem bailarino, só que estavam postos no corpo daquela mulher. Olhando-lhe para os pés, percebi que afinal a mulher fazia-me lembrar o jovem médico: tinha os mesmos olhos transparentes, de vidro, aguados, tristes. Puxei a mão da minha mãe, muito aflita, como que a tentar explicar-lhe a razão do meu tormento. Quando saímos no terceiro andar, mal a porta se fechou, perguntei-lhe o que se passava, quem era aquela mulher que estava no nosso prédio e se apossara dos pés e do rosto do jovem médico. A minha mãe procurou a chave na mala, meteu-a na fechadura, rodou-a sobre si própria, uma duas, três voltas, abriu a porta. Depois, esgueirou-se para o quarto, dizendo que tinha de tirar os sapatos que lhe magoavam os pés. Quando voltou, descalça, perante o meu olhar inquisidor, como se falasse da coisa mais natural do mundo, explicou que o jovem médico fizera uma operação e se tornara numa mulher. Mandou-me fazer os trabalhos de casa e fugiu para a cozinha. Fiquei parada, no meio do corredor, na companhia dos deuses de sândalo, espantada com aquela revelação. Como podia um homem transformar-se em mulher? Podia acontecer-me o mesmo?

O assunto foi esquecido. A minha mãe e a minha tia, por vezes, falavam do jovem médico, sem maledicência ou preconceito. Só estranheza. O meu pai, porém, franzia-se todo. Homossexuais, lésbicas, transexuais, eram uma estirpe de proscritos. Não eram dignos de desprezo ou nojo. Apenas de indiferença. Como os intocáveis da sua Índia natal. Calei as minhas dúvidas durante muito tempo. Anos mais tarde, percebi, naturalmente, o que acontecera. O rapaz do sexto esquerdo livrara-se de um corpo que não era seu. Porventura, fizera uma vaginoplastia, redesenhara a sua intimidade, arrancara de si um pedúnculo de raízes fundas, mas podres. No seu lugar, crescera uma flor muito frágil e simples. Era um acto de profunda coragem que punha em causa as leis do mundo, de deus e do nosso prédio. Desejei que a metamorfose do seu corpo lhe trouxesse paz. O jovem médico, tornado mulher, deixaria de procurar as sombras. Foi o que pensei. Voltei a subir no elevador, muitas vezes, com a médica. Assisti ao seu envelhecimento. Passou a usar óculos. O cabelo ralo cola-se ao crânio, sem graça ou beleza. Parece trazer sempre o mesmo vestido de cornucópias. Deixou de dançar e engordou um pouco. Os pais morreram. Vive sozinha no sexto esquerdo. Da janela da marquise do apartamento dos meus pais, onde gosto de observar a rua da minha infância, vejo-a chegar. Estaciona o carro no lugar onde o seu pai estacionava um datsun azul. Tira um ou dois sacos de compra. Movimenta-se com lentidão. Continua a procurar as sombras. Já não estranho que, há muito tempo atrás, tenha sido o jovem médico bailarino que fez tremer os alicerces do nosso mundo. Perdoei-lhe, há muito, o facto de ter uns pés normais, sem o grotesco encanto dos do Rudolf Nuriyev. Vista da janela, procurando as sombras, sempre as sombras, apenas me custa a sua solidão, que é imensa.
"


http://www.etudogentemorta.com/2010/10/os-pes-de-rudolf-nureyev/trackback/


http://ana-de-amsterdam.blogspot.com/

Influenciadores

INFLUENCERS is a short documentary that explores what it means to be an influencer and how trends & creativity become contagious today in music and fashion

Influenciadores é um curto documentário que explora o que significa ser um influenciador e como as tendências e criatividade se tornam contagiosas hoje na música e na moda

http://vimeo.com/15595024




INFLUENCERS TRAILER from R+I creative on Vimeo.





WELCOME TO THE DESERT OF THE REAL

BEM-VINDO AO DESERTO DO REAL



http://www.youtube.com/watch?v=9QK_77ZzxKQ&feature=player_embedded#!

terça-feira, 26 de outubro de 2010

José Tolentino Mendonça



A rapariga de Providence

Um nome arde tanto
de repente todos os caminhos parecem de regresso
a vida por si mesma não se pode escutar demasiado
a vida é uma questão de tempo
um sopro ainda mais frágil

a rapariga desce à pequena praça,
compra uma flor para ter na mão
uma forma intemporal de conservar
a perfeição ou a incerteza

José Tolentino Mendonça

(in "A noite abre meus olhos/poesia reunida", Assírio & Alvim)

Aguarde em Linha


www.alfredosabat.com
Un proyecto personal, dedicado a los call centers. Música generada con GarageBand, Imágenes bajadas de la web y alteradas; a mi conocimiento, están en el dominio público. Agradezco a los grandes artistas del pasado por su (involuntaria) colaboración.
A personal project, dedicated to all call centers. Music generated with GarageBand. Images downloaded from the web and altered: to my knowledge thy are on public domain. I thank all great artists of the past for their (unwilling) collaboration.


http://www.alfredosabat.com/


Un projecto pessoal, dedicado a los call centers. gerada Música con GarageBand, baixadas Imagens de alteradas y web; um conocimiento mi, están en el dominio Público. Agradeço de Los Grandes Artistas del pasado Por su (involuntária) Colaboración.
Um projecto pessoal, dedicada a todos os call centers. Música gerada com o Garage Band. Imagens baixados da web e alterados: ao meu conhecimento são os teus em domínio público. Agradeço a todos os grandes artistas do passado pela sua colaboração.

segunda-feira, 25 de outubro de 2010

Emotional turn

«Ir en busca del lenguaje y regresar sin nada.»
JULIA OTXOA


O nosso embalo vem à direita da letra
e já vem tempo que parece ser fatal
o que no fim do dia arrepende
Temos uma toada emocional embora fria
Disputamo-la nas pequenas imagens
truques traves e toques
de potentes linguagens que algum dia
até são nossas e logo se nos espraiam
mas mesmo reparo Praia e praia
Eu aqui só digo praia
Temos uma toada emocional tão fria
como o favorito do Pessoa e isso sim
o amor todo dobrado
também uma grande galeria
de coisas que ainda fazem chorar
como na escola as festas de fim de ano
com grupos de língua inglesa e
tremendamente enamorados
já ninguém diz

na antologia "O Prisma das Muitas Cores - poesia de amor portuguesa e brasileira", de Victor Oliveira Mateus (coord.). Labirinto, 2010.

via
http://hmmachado.blogspot.com/

http://www.facebook.com/pages/Falamos-Portugues/190965291072

sábado, 23 de outubro de 2010

Paramore: The Only Exception

http://www.youtube.com/watch?v=-J7J_IWUhls&feature=player_embedded


http://www.sfmuseum.org/1906/06.html

Uma Biblioteca é Um Hospital Para a Mente

"Para aprender a ler é acender uma fogueira, cada sílaba que é soletrada para fora é uma faísca."
Victor Hugo Victor Hugo


Uma biblioteca é um hospital para a mente.
Anónimo

A library is a hospital for the mind.
Anonymous





http://blogs.nlb.gov.sg/esl/


http://blogs.nlb.gov.sg/readandreap/young-people/paralyzed-like-a-donkey/


http://www.shaminiflint.com/books-childrenpictures.html



Morley Safer relatórios sobre um mistério que foi resolvido sobre um filme de 100 anos de idade que hoje conhecemos foi feito no Mercado de São Francisco Rua poucos dias antes do terramoto de 1906.

Histórico 1906 Captura de Cinema S.F. 'Street Market s


Morley Safer reports on a mystery that was solved about a 100-year-old film that we now know was made on San Francisco's Market Street just days before the 1906 earthquake.

Historic 1906 Film Captures S.F.'s Market Street

via
http://www.cbsnews.com/video/watch/?id=6966797n&tag=component.1


Read more: http://www.cbsnews.com/video/watch/?id=6966797n&tag=component.1#ixzz13E1TuXrd

For anyone interested in this film, please google "san francisco earthquake" and find a film (at the Library of Congress archives?) showing a similar film, although AFTER the earthquake. Together, you have an amazing before-and-after document.

Read more: http://www.cbsnews.com/video/watch/?id=6966797n&tag=component.1#ixzz13E4J4zgv



"san francisco earthquake"

http://www.eyewitnesstohistory.com/sfeq.htm


História através dos olhos daqueles que viveram
History through the eyes of those lived it

http://www.eyewitnesstohistory.com/sfeq.htm

terça-feira, 19 de outubro de 2010

O equilíbrio do planeta Terra

Poluição atmosférica e doenças cardiovasculares

"Falar de ambiente é falar da deusa mãe criadora de todas as espécies. Nada é mais importante do que os fatores ambientais e mesmo que hoje em dia se diga que a nossa saúde ou doença resulta da interação entre o meio ambiente, nurture, e do património genético, nature, mesmo assim, podemos afirmar que este último, o genoma, é filho da primeira, embora tenha adquirido carta de alforria. As preocupações ambientais são relativamente recentes. Recordo que em Dezembro de 1968, presumo que na véspera do Natal, na sequência da viagem da Apolo 8 foi obtida pela primeira vez uma imagem da Terra no decurso da órbita lunar. A fotografia era de tal modo fascinante que nunca mais a esqueci ao ponto de, na altura, a pendurar na parede do meu quarto. Não me cansava de olhar para tanta beleza. Prestes a fazer 18 anos, pensava como era possível que naquele globo azul e branco houvesse tantas coisas belas, vida, alegria, tristeza, guerras, miséria, grandeza, amor e ódio e uma espécie pensante. Em 1990, Carl Sagan conseguiu que no momento em que a Voyager 1 ia a começar a sair do sistema solar, a mais de seis mil milhões de quilómetros, tirasse uma fotografia da Terra. A fotografia é um mero ponto azul-claro. Esta fotografia contrasta com a da Apolo 8 ou com o mais recente “Pôr da Terra”. Um mero ponto a desafiar a ilusão de que somos importantes, de que ocupamos um lugar privilegiado no Universo. Afinal, “o nosso planeta é uma partícula solitária numa imensa escuridão cósmica envolvente”. Tem vida? Tem! Mas alguém seria capaz de o afirmar se estivesse colocado àquela distância e olhasse para o ponto azul-claro? Estou convencido de que não. Há quem afirme que esta imagem, o tal ponto azul minúsculo, tirada do espaço, originou a emergência do discurso público sobre o ambiente. Não importa se é verdade ou não, o que interessa é estabelecer uma data histórica como ponto de partida para uma nova consciência ambiental. Tal atitude faz-me lembrar a experiência realizada por Galileu na Torre de Pisa, em 1590, quando lançou dois corpos de massas diferentes, dando origem à Revolução Científica. Há que afirme que tal evento nunca foi efetuado. Mas que importa? O que interessa é que o reinado aristoteliano e aquiniano acabou dando lugar a novas formas de pensar. Do mesmo modo, a imagem da Terra obtida pelos astronautas norte-americanos revelou algo de belo e global, escondendo muitas coisas, inclusive atentados ambientais que na grande maioria não conhecem fronteiras nem povos. A famosa revista Time introduziu na sua edição de 1 de agosto de 1969, pela primeira vez, uma nova secção intitulada ambiente. Era o primeiro passo para encontrar a harmonia entre a humanidade e a única casa que temos, o planeta Terra. Quando a comunicação social responde a certos desafios é porque algo está a acontecer e merece atenção. De facto, vários desastres ambientais começaram a ter evidência, obrigando ao debate sobre novas matérias e a criação de um novo léxico para que os cidadãos compreendessem as notícias. Apesar dos avanços e recuos, foi preciso uma década de espera para o retomar de uma consciência ecológica. As consequências das alterações ambientais não são nada agradáveis e só com uma forte sensibilização das comunidades é que é possível travar ou minimizar os seus efeitos. Mas não é fácil, porque a perceção do risco ambiental é um verdadeiro paradoxo. Se olharmos para a nossa maior cidade, e também a mais poluída, Lisboa, os cidadãos começam a queixar-se logo que apareça um “cheiro” estranho, como aconteceu ainda há pouco tempo na sequência da rotura de um esgoto, mas se certos poluentes, verdadeiramente perigosos, não forem quantificados e identificados pelos citadinos narizes, então, o pessoal continua no seu dia-a-dia sem se preocupar minimamente. O equilíbrio do planeta Terra é cada vez mais delicado, fazendo-se à custa de uma imensa entropia negativa, quer no verdadeiro sentido da palavra, com todos os inconvenientes energéticos, quer em sentido figurado pelos receios resultantes das medidas a adotar. A par deste fenómeno, complexo, outros merecem a nossa atenção. O caso da poluição atmosférica é uma realidade inquestionável que não atinge apenas as vias respiratórias, mas acaba por contribuir para o aparecimento de problemas congénitos, tumorais e cardíacos. O relatório sobre Ambiente e Saúde publicado pela Agência Europeia do Ambiente realça os efeitos da poluição na saúde humana. As consequências ocorrem a vários níveis e resultam de vários poluentes. Dentro destes destacamos os níveis excessivos de partículas no ar provenientes da utilização dos diversos combustíveis que provocam elevada mortalidade. A OMS calcula que as partículas no ar sejam responsáveis por 100 mil mortes e 750 mil anos de vida perdidos (dados de 2004). As partículas mais finas estão a ser alvo de atenção redobrada de forma a reduzir a sua produção. A inalação crónica, mesmo em baixas concentrações, provoca graves problemas de saúde. Ultimamente tem sido discutido o papel da poluição atmosférica nas doenças cardiovasculares caso do enfarte do miocárdio e dos acidentes vasculares cerebrais. Aparentemente, esta associação não seria de esperar. No entanto, alguns estudos epidemiológicos e experimentais em animais revelam que a associação existe. É muito mais prático abordar certas situações como o caso da obesidade, que constitui, também, um excelente exemplo de outro tipo de poluição ambiental relacionada com vários fatores, em parte genéticos, sem dúvida, mas, sobretudo, com interesses económicos e inoperância política, nomeadamente em termos legais. Os portugueses são extraordinariamente obesos o que constitui um risco elevado de virem a sofrer diabetes, hipercolesterolemia, enfarte e acidente vascular cerebral. Deste modo, podemos afirmar que ser-se obeso é um fator de risco cardiovascular nada desprezível, mas no caso de viver em meio poluído, caso das grandes cidades ou zonas industrializadas, o risco de enfarte ou de acidente vascular cerebral aumenta de forma significativa. A par da poluição global, cujos efeitos começam a ser bem conhecidos, não obstante a falta de colaboração das autoridades que só muito a custo, e à força de lóbis ambientalistas, é que exercem atividades fiscalizadoras, de acordo com os tratados e convenções internacionais, devemos citar o problema do tabaco, e do fumo passivo, claro. Queria, muito rapidamente, tecer alguns comentários sobre esta forma de poluição. O ditador jubilado, Fidel Castro, que deixou de fumar em 1986, consciente dos malefícios, apresentou um argumento digno de um génio: "a melhor coisa a fazer é dá-los (tabaco) ao teu inimigo". Mesmo assim, é muito pouco provável que os prisioneiros políticos de Cuba estejam a receber caixas de charutos! Sabemos que as medidas legislativas são indispensáveis para reduzir as consequências deste fator altamente nocivo. Aguardámos bastante tempo pela legislação neste sentido, mas, finalmente já dispomos e parece estar a ser devidamente cumprida. Esta abordagem tem um objetivo: afirmar que a patologia ambiental é mais do que um problema de saúde pública. Sendo, basicamente, um problema político, e caso não ocorra uma inflexão nesse sentido, não iremos muito longe. Acabaremos por continuar a ser agredidos de várias maneiras, através do ar, da água, dos alimentos, das condições ambientais no local do trabalho, das novas tecnologias, dos diferentes sistemas políticos e económicos, entre outros. A capacitação do cidadão em termos de controlo ambiental está bem definida através de várias convenções que aconselham os estados a legislar no sentido de produzirem normativos adequados às novas realidades ambientais. É indispensável que sejamos dotados desses meios, mas tardam. Claro que os problemas de poluição "grosseira" são fáceis de detetar por qualquer um de nós, graças aos nossos sentidos, e mesmo assim eles ocorrem de uma forma obscena debaixo dos nossos olhos e narizes, sem que os responsáveis acionem os mecanismos adequados à sua prevenção. Se assim é, e estamos a falar do nosso país, o que dizer da chamada poluição "fina", a que não se vê, a que não se cheira, a que não mata imediatamente e, mesmo provocando doenças, porque provocam, demoram décadas a manifestarem-se, acabando por serem interpretadas como meras fatalidades da velhice? Muito da patologia que nos atinge tem a ver com o meio ambiente em geral e do trabalho em particular. Claro que os estudos nestas áreas não são nada fáceis de realizar, por falta de patrocinadores, de empenhamento do próprio estado, cúmplice de interesses instituídos e que não pretende mexer em certas áreas. Lá sabem as razões. Convém chamar a atenção para o facto de não ser preciso transformar um português numa Erin Brocovich, porque, entre nós, seria muito perigoso. Começam a aparecer alguns estudos ambientais que revelam efeitos negativos na saúde dos nossos concidadãos, mas não são acarinhados e, pelos vistos, nem bem-vindos, ao porem em causa muitas situações negativas. As próprias autoridades de saúde deveriam efetuar mais estudos e fiscalização nestas áreas, mas não me parece que seja o caso, infelizmente. Compete aos médicos diagnosticar, denunciar e propor medidas que possam contribuir para a melhoria do ambiente, que bem precisa, quer à escala global, mas também à nossa escala, não esquecendo que estamos perante uma forma de disfunção transnacional. Importa ainda afirmar que os múltiplos e crescentes efeitos da poluição não são estáticos mas sim dinâmicos a ponto de provocarem efeitos nas próximas gerações mesmo antes de virem a ter contacto com o futuro ambiente, que esperemos seja muito melhor do que o presente. O que não é justo é terem de pagar pelos disparates dos seus antepassados. O fenómeno epigenético começa a ser uma realidade incontestável, e, por isso mesmo, tem de ser tomado em linha de conta nas políticas ambientais. Crianças ou jovens adultos expostos a contaminação ambiental poderão sofrer efeitos na sua estrutura suscetível de provocar problemas a nível do ADN de tal modo que os descendentes, diretos ou mais longínquos, venham ainda a sofrer na pele as consequências da exposição dos seus antepassados. Esta nova realidade obriga-nos a pensar duas vezes sobre o que andamos a fazer, sobretudo quando as vítimas poderão ser aquelas que não tiveram qualquer quota-parte na produção da poluição. A responsabilidade transgeracional é uma nova realidade a desenvolver e a esclarecer. A problemática ambiental constitui uma das principais preocupações a nível mundial. O elevado número de convenções, cimeiras e protocolos são prova de um verdadeiro desassossego ambiental. Apesar de todos os esforços, não tem sido possível evitar as múltiplas e constantes agressões ambientais. A par da educação e formação cívica torna-se imperioso criar legislação adequada para minimizar e reduzir as consequências, salvaguardando deste modo as diferentes espécies. A legislação criada ao redor da poluição ambiental é vasta e naturalmente muito importante, mas mesmo assim não é suficiente, já que a sua aplicação prática não é consentânea com os fenómenos que, quase diariamente, são noticiados, os quais provocam ansiedade e preocupação nas comunidades. Nas últimas décadas assistimos a uma crescente consciencialização dos problemas ambientais, como é o caso de Portugal. Facto que consideramos naturalmente muito positivo, mas que originou vários problemas, nomeadamente desconfiança por parte das populações, face às empresas poluidoras ou potencialmente poluentes, assim como em relação às organizações estatais a quem compete fiscalizar a aplicação de um conjunto cada vez mais vasto de normativos nacionais e comunitários. A amplitude dos problemas relacionados com a saúde é muito vasta, conforme já afirmei. De qualquer modo, importa abordar dois ou três aspetos mais concretos que nos permitam analisar a complexidade e a interação com o nosso bem-estar. Uma das áreas mais em foco tem a ver com a problemática da emissão de subprodutos tóxicos e partículas finas resultantes da combustão e tratamentos térmicos de resíduos perigosos. Os processos térmicos e a combustão dominam a poluição atmosférica. A atenção tem sido dada aos principais contribuintes, caso do ozono, compostos orgânicos voláteis, óxidos de azoto e produtos de combustão incompleta. Contudo, poluentes orgânicos, tais como benzeno, dioxinas e furanos, acrilonitrilo e brometo de metilo, são exemplos de combustão incompleta de carbono, carbono e cloro, carbono e azoto, e carbono e compostos de brometo, respetivamente. Muitos destes poluentes estão, frequentemente, associados com partículas finas e ultrafinas. As partículas finas são definidas de acordo com o diâmetro. As PM2,5 e as PM0,1 têm diâmetros inferiores a 2,5 e a 0,1 micra, respetivamente. Muitos poluentes estão associados com partículas finas, as quais são responsáveis por muitas doenças respiratórias e cardiovasculares. A evidência científica revela que estas partículas são responsáveis pelo stress oxidativo que, por sua vez, está implicado no desencadear de muitas patologias. Os hidrocarbonetos aromáticos policíclicos, os hidrocarbonetos clorados, incluindo dioxinas e furanos, os metais tóxicos, os radicais livres estão associados com as partículas geradas pela combustão e têm sido responsabilizadas por vários problemas de saúde. As partículas ultrafinas, nanopartículas, não são eficientemente capturadas pelos dispositivos de controlo da poluição, penetram profundamente nas vias respiratórias, e são suscetíveis de serem transportadas à distância, produzindo graves prejuízos. As partículas de maiores dimensões PM10 depositam-se na parte superior das vias respiratórias e podem ser limpas através do sistema mucociliar. Em contrapartida as PM2,5 e as PM0,1 atingem os alvéolos pulmonares onde penetram rapidamente o epitélio. A sua clearance é mediada através da atividade fagocítica e dissolução das partículas. No tocante às nanopartículas (PM<0,1), estas conseguem ter um impacto muito significativo noutros órgãos. Os radicais livres presentes nas partículas finas e ultrafinas podem produzir alterações do ADN. As suas ações manifestam-se a nível pulmonar com diminuição da função, alterações inflamatórias cujos efeitos não ficam acantonados ao órgão de choque, indo atuar em várias partes da economia humana. A função imunológica sofre, igualmente, as consequências, ao modular a resposta devido a certas infeções respiratórias. São inúmeros os estudos epidemiológicos que revelam aumento da mortalidade associada a níveis elevados de PM. A hospitalização de crianças em idade pré-escolar, assim como pessoas de idade duplica nas comunidades onde as PM10 atingem concentrações superiores ao recomendado. Os macrófagos alveolares humanos apresentam diminuição significativa de certos número de recetores para a defesa do hospedeiro quando expostos às PM. Por exemplo, a capacidade de produzir ROS (reactive oxygen species), que são muito importantes na destruição de microrganismos, fica substancialmente reduzida dentro de 18 horas, assim como uma diminuição significativa da sua capacidade fagocítica. Além de múltiplas perturbações da função pulmonar, o desenvolvimento pulmonar nas crianças pode ficar comprometido. O sistema cardiovascular não está imune aos seus efeitos. De tal modo que a taxa de mortalidade cardiovascular pode ser superior à taxa de mortalidade respiratória nos picos de poluição atmosférica. A associação temporal entre a hospitalização e a mortalidade cardiovascular e as partículas ambientais é muito curta (0 a 3 dias) sugerindo que o incremento observado seja devido a isquémia miocárdica, enfartes e/ou arritmias ventriculares. A longo prazo a inflamação cardiovascular torna-se uma realidade responsável por vários fenómenos degenerativos. Os mecanismos precisos, através dos quais as PM aumentam o risco cardiovascular ainda não estão perfeitamente esclarecidos. De qualquer modo, a evidência aponta para o papel das citocinas, para a absorção pelo sangue e transporte até ao coração. As partículas ultrafinas parecem que penetram profundamente no organismo humano, através do trato respiratório inferior, difundindo-se pelo organismo, através da corrente sanguínea. Um dos problemas que mais preocupam as autoridades de saúde pública diz respeito aos chamados disruptores endócrinos que são agentes que interferem na síntese, armazenamento, libertação, secreção, transporte, eliminação, ligação, ou ação das hormonas. Obviamente as consequências da sua exposição dependem do momento, duração e intensidade de exposição. É no decurso do desenvolvimento fetal e nas crianças que ocorrem as denominadas janelas de vulnerabilidade. Resta saber o seu papel no desencadeamento das doenças cardiovasculares. Muito ficou por dizer, mas não queria antes de terminar deixar de falar da poluição atmosférica e diabetes, que constitui, como todos sabem, um dos principais fatores de risco cardiovascular. As alterações enzimáticas hepáticas que ocorrem com uma frequência crescente em indivíduos sem história de hepatopatias nem de consumo de álcool excessivo, constituem um forte indicador de diabetes, caso seja acompanhado de obesidade. Entretanto, a obesidade, per si, parece que não é o principal responsável! Nesta perspetiva, poderíamos questionar: - Será que uma aumento da gama GT pode constituir um marcador de exposição a poluentes, caso dos bifenilopoliclorados? De facto, investigadores estudaram este assunto, e, com base no NHANES (National Health and Nutrition Examination Survey), descobriram que os indivíduos com níveis elevados de seis diferentes POPs - poluentes orgânicos persistentes, um grupo muito particular, representado por doze substâncias, os “doze malditos” que já foram, inclusive, alvo de uma convenção, a de Estocolmo, com o objetivo de os eliminar ou reduzir a sua produção à escala mundial -, no sangue corriam mais risco de terem diabetes independentemente da obesidade. Nesse estudo, as pessoas com os níveis mais elevados de POPs, apresentavam uma taxa de diabetes 28 vezes superior aos que apresentavam valores mais baixos. É difícil colocar de lado este tipo de associação que nós, epidemiologistas, chamamos de “luxo epidemiológico”. Encontrar riscos relativos na ordem de 28 vezes mais é muito pouco comum. Curiosamente, entre os obesos com baixos níveis de POPs, o risco de diabetes era extremamente baixo. No lado oposto, os que apresentavam níveis elevados de POPs circulantes corriam mais risco de diabetes. E se fossem obesos, então a associação tornava-se mais forte. Nesta perspetiva, efeito independente dos POPs, e agravamento quando associado à diabetes, leva-nos a pensar que a obesidade intensifica os efeitos perigosos. Falamos de associação, o que não significa, forçosamente, causalidade. É fácil estabelecer uma associação, mas é muito mais complicado estabelecer nexos de causalidade. Há quem aponte que os POPs, se estão mais elevados nos diabéticos, são uma consequência da doença e não causa. Ou seja, os doentes diabéticos teriam mais dificuldade em metabolizá-los, a depurá-los. Mas é pouco provável. Digo isto, porque há estudos que provam, ou melhor, sugerem que os diabéticos não se distinguem dos não diabéticos no que toca à eliminação dos POPs. A insulina resistência é um conceito bem definido que pode ocorrer a nível dos músculos, gordura e fígado. Os indivíduos cujo sangue revelam níveis elevados de POPs eram mais propensos à insulina resistência. Tudo aponta para este efeito por parte dos POPs. Aliciante, sem dúvida, a requerer mais estudos e reflexões. Mas vejam, não há bela sem senão. Neste caso concreto ficamos com algumas dúvidas, porque nos últimos tempos os níveis de POPs no sangue dos norte-americanos têm vindo a diminuir – em consequência da luta contra a poluição ambiental -, e a diabetes a aumentar. Como explicar? Não sei! Talvez a obesidade constitua uma forma de tornar os POPs mais perigosos? É uma hipótese. Não esquecer a onda epidémica de diabetes na Ásia e na África cujo incremento é escandaloso e não é acompanhado de obesidade com a mesma intensidade. No entanto, os pesticidas e outros POPs têm ali o seu paraíso. Em síntese: nos próximos tempos convém por em “pé de igualdade” a poluição atmosférica, e quem sabe outras formas de poluição, ao lado dos tradicionais fatores de risco cardiovascular, diabetes, hipertensão, obesidade, hipercolesterolemia e muitos outros que fazem parte da ladainha da aterosclerose..."
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